Para a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, é
possível o processamento do inventário extrajudicial quando houver testamento do
falecido e os interessados forem maiores, capazes e concordes, devidamente
acompanhados de seus advogados.
No caso analisado pelo colegiado, uma
mulher falecida em 2015 deixou a sua parte disponível na herança para o viúvo
por meio de testamento público, processado e concluído perante a 2ª Vara de
Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro, com a total concordância dos herdeiros e
da Procuradoria do Estado.
Após o início do inventário judicial,
no qual foi requerida a partilha de bens – um imóvel e cotas sociais de três
empresas –, o magistrado determinou a apuração de haveres em três novos
processos.
Por se tratar de sucessão simples, e
diante das novas diretrizes da Corregedoria-Geral do Estado, mesmo existindo
testamento já cumprido, os interessados solicitaram a extinção do feito e a
autorização para que o processamento do inventário e da partilha ocorresse pela
via administrativa.
Em primeiro grau, o pedido foi
indeferido sob o argumento de que o artigo 610 do Código de Processo Civil de 2015
determina a abertura de inventário judicial se houver testamento. O Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro confirmou a decisão.
Ao STJ, os recorrentes alegaram que o
parágrafo 1º do artigo 610 do CPC/2015 expressamente permite o processamento do
inventário pela via extrajudicial, desde que os herdeiros sejam capazes e
concordes, acrescentando que o único impedimento legal seria a existência de
incapaz no processo, e não a de testamento.
Interpretação sistemática
O relator do recurso especial,
ministro Luis Felipe Salomão, afirmou que a partilha extrajudicial é instituto
crescente e tendência mundial. Segundo ele, no Brasil, a Lei 11.441/2007, seguindo a linha de desjudicialização, autorizou
a realização de alguns atos de jurisdição voluntária pela via administrativa.
A Resolução
35/2007 do Conselho Nacional de Justiça disciplinou
especificamente o inventário e a partilha de bens pela via administrativa, sem
afastar a possibilidade da via judicial.
Salomão destacou ainda que o
CPC/2015, em seu artigo 610, estabeleceu a regra de que, havendo testamento ou
interessado incapaz, o inventário deverá ser pela via judicial.
Porém, ressalvou o ministro, o
parágrafo 1º prevê que o inventário e a partilha poderão ser feitos por
escritura pública sempre que os herdeiros forem capazes e concordes – o que
pode englobar a situação em que existe testamento.
"De uma leitura sistemática
do caput e do parágrafo 1º do artigo 610 do CPC/2015, penso
ser possível o inventário extrajudicial, ainda que exista testamento, se os
interessados forem capazes e concordes e estiverem assistidos por advogados,
desde que o testamento tenha sido previamente registrado judicialmente ou se
tenha a expressa autorização do juízo competente", afirmou.
Menos burocracia
Para o ministro, a legislação atual
fomenta a utilização de procedimentos que incentivem a redução de burocracia e
formalidades quando se trata de atos de transmissão hereditária.
Segundo ele, o artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito
Brasileiro e os artigos 3º, 4º e 8º do CPC são claros ao explicitar que os fins
sociais do inventário extrajudicial são a redução de formalidades e burocracia,
com o incremento do número de procedimentos e de solução de controvérsias por
meios alternativos.
"Dentro desse contexto, havendo
a morte, estando todos os seus herdeiros e interessados, maiores, capazes, de
pleno e comum acordo quanto à destinação e à partilha de bens, não haverá a
necessidade de judicialização do inventário, podendo a partilha ser definida e
formalizada conforme a livre vontade das partes no âmbito extrajudicial",
observou.
Razoabilidade
Para Salomão, o processo deve ser um
meio, e não um entrave à realização do direito: "Se a via judicial é
prescindível, não há razoabilidade em se proibir, na ausência de conflito de
interesses, que herdeiros, maiores e capazes, se socorram da via administrativa
para dar efetividade a um testamento já tido como válido pela Justiça".
O ministro apontou que esse posicionamento
tem sido amplamente aceito pela doutrina especializada e pela jurisprudência,
como se observa em diversos enunciados e provimentos de corregedoria dos
tribunais brasileiros.
Deve-se considerar ainda –
acrescentou – que a partilha amigável feita pelos serviços notariais e
registrais, "além de aprimorar a justiça colaborativa", representa
ganho de tempo e redução de custos.
Ao dar provimento ao recurso especial
para autorizar que o inventário dos recorrentes ocorra pela via extrajudicial,
o ministro frisou que, no caso em análise, quanto à parte disponível da
herança, verificou-se que todos os herdeiros são maiores, com interesses
harmoniosos e concordes, representados por advogados, e que o testamento
público foi devidamente aberto, processado e concluído perante a Vara de Órfãos
e Sucessões.
Esta notícia
refere-se ao(s) processo(s): REsp 1808767
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