sábado, 31 de dezembro de 2016

Eia, pois, brasileiros avante!*

* Hino à Proclamação da República. 
Letra de Medeiros e Albuquerque  e música de Leopoldo Miguez 


Este blog não fará retrospectiva de 2016. Tantos outros o fizeram e o farão. Nada de mais do mesmo.
Sem apego ao que passou e levando suas marcas seguimos. Mais esclarecidos, é certo. Mais um passo na caminhada.


Aos bravos e destemidos leitores deste Blog, um fecundo e patriótico 2017!





   A Natureza, aqui, perpetuamente em festa 

não verás país nenhum como este 

(versos Olavo Bilac, A Pátria)

Fecho de Ouro

Caros e valentes leitores, daqui a poucas horas findará o último dia útil deste ano que termina. O fecho foi com chave de ouro, alvará, essa palavra mágica que faz advogados sorrirem instantaneamente.

Como? - indagarão os leigos -  não se está em pleno recesso forense? Ainda há vida forense nas varas mesmo com os portões fechados, as urgências, as liminares ainda correm. E atrás delas correm os advogados.

Aqui vai o depoimento de uma advogada sobre o plantão nas varas da Fazenda de Belo Horizonte durante o recesso, inesquecível, é a palavra. A qualquer reclamação dos entraves seguidos, vinha a explicação, é a Portaria 595, a senhora sabe. Sim, a Portaria Conjunta 595 deve ter suas altas razões para dispor assim ou assado, mas a prática (para os advogados, que fique claro), é que o plantão rotativo entre as varas interrompe a sequência de atos urgentes. E lá vai o advogado explicar tudo de novo a um novo servidor, etc., etc..

Para sair hoje de lá com o alvará em mãos, finalmente, estive em umas quatro vezes durante o recesso em três cartórios e falei com seis servidores.

O processo eletrônico implantado, essa carruagem moderna, vive no recesso seus dias de abóbora. O processo eletrônico não corre eletronicamente no recesso forense, se houver medida urgente, será vertido para o papel, autuado, numerado, rubricado, e irá assim, em autos físicos para o juiz de plantão.

Isso se o advogado estiver lá, in loco, diligenciando, pedindo, indo de uma vara a outra. Pronto, processo impresso, (a inicial, a decisão da tutela, os laudos médicos, as fotografias, a manifestação do Estado, o pedido de sequestro, a decisão que deferiu o sequestro, o pedido de alvará), o bravo leitor deve estar exausto a esta altura, não sem razão.

Impresso o processo na vara original leva-se à vara de plantão onde será autuado e numerado e concluso ao juiz de plantão. À frase quero despachar, recebo: o juiz não recebe advogado. Mais essa, pensei e inovei na reclamação: masisso não é republicano, quase em tom de blague. Advogados têm sempre um discurso envolvendo o Estado de Direito na ponta da língua. Em tempos de recesso, com os cartórios vazios tudo fica mais leve e neste caso, escutei com tranquilidade o motivo e dei razão ao juiz plantonista. Informaram que no dia anterior compareceram quarenta advogados para despachar. Justíssimo. Ou aprecia liminares ou recebe advogados. O diligente servidor prometeu encaminhar os autos ao juiz naquele dia mesmo, e com seu auxílio contei as etapas do intricado processo de sequestro (bloqueio de dinheiro do Estado que passa por informação do Banco Central e transferência para conta judicial) e calculei que, se tudo corresse normalmente o alvará estaria pronto na quinta-feira desta semana.

Estive lá ontem, aliás, na vara de plantão da vez, e descobri que não. Não correu tudo normalmente justamente pelo plantão alternado de varas. Uma vara fez o bloqueio, a vara seguinte de nada sabia, olha aí de novo o advogado em cena, diligenciando, explicando, pedindo.  Mais um passo dado, agora sim, sairá a transferência, mas não hoje, só na segunda-feira porque no último dia útil do ano não há expediente bancário.

Só na terça-feira, o alvará que busquei hoje, poderá ser levado ao banco e finalmente o cliente poderá comprar o medicamento para sua doença grave.

Aconteceu uma coisa curiosa, aliás várias coisas. Antes de uma dessas diligências demoradas o filho do cliente idoso pediu que eu o mantivesse, o filho, informado do andamento pelo aplicativo do whatsapp. A medida foi reveladora, ficou flagrante a dificuldade encontrada pelo advogado em fazer cumprir uma ordem judicial. A sequência de atos e providências é algo inacreditável a um leigo, que ficou estupefato, para dizer o mínimo e não economizou adjetivos (um tanto prosaicos). Ao final declarou ter pena dos advogados.

Além de revelar as dificuldades e entraves que o advogado tem de superar para conseguir uma ordem judicial e executá-la ficou claro também o desconhecimento do trabalho do advogado. Que envolve além do trabalho técnico e escrito toda uma gama de atividades que exigem boa comunicação, empatia e jogo de cintura. Além de persistência e muita, muita paciência. 

Talvez decorra desse desconhecimento algum menosprezo ao trabalho do advogado, como estranhar a cobrança de consulta ou taxar como caros honorários razoáveis. Males não sofridos pelos médicos, por exemplo, salvo melhor juízo.

Creio que depois desse choque de realidade via whatsapp, (não o poupei de nada), haverá uma mudança qualitativa na crença do meu interlocutor quanto a advogados e seu trabalho. Assim, recomendo vivamente aos colegas que, aparecendo a oportunidade, façam o mesmo. É prestação de serviço à classe a difusão de conhecimento sobre nosso trabalho.

Numa dessas longas diligências e conversações tive informações preciosas, por exemplo, aquele juiz de quem não tive boa impressão (eufemismo) ao despachar uma urgência em julho, soube ser um juiz operoso, às sete horas da manhã já está na vara trabalhando. Ótimo. Ponto para ele. Já aqueloutro, ótimo no trato com advogados para despachar já não é tão operoso.

Na diligência de ontem e longa espera aprendi sobre gestão de processos conversando com um advogado que também esperava. Do que falávamos? Sobre a qualidade do serviço público brasileiro, exatamente o que vivenciávamos naquele momento. Disse-me que foi servidor público e antes disso foi funcionário de empresa privada. E levou seu conhecimento da iniciativa privada para o serviço público. Ficou mesmo estarrecido com a balbúrdia das Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça Trabalhista do Rio de Janeiro há muitos anos atrás, processos pelo chão, um caos. Organizado por convicção e pelos métodos da empresa privada, trabalhou sábados e domingos até organizar a vara. Seu lema era: um documento de 30 anos tem que ser encontrado em 30 segundos. E encontrava. Seu precioso trabalho foi jogado fora, em pouco tempo a vara voltou à balbúrdia.

Sem suportar a desordem pediu para ser transferido e foi, para a vara modelo, a 8ª Junta de Conciliação e Julgamento da justiça trabalhista carioca. A vara era regida por funcionária com mão de ferro e por isso mesmo, não era muito querida pelos funcionários. Os organizados, meu interlocutor e a chefe deram-se às mil maravilhas, ambos adeptos de processos de gestão. Ótima história para embalar a espera.

Hoje estive com a sétima servidora da terceira vara de plantão da vez e estou de posse do alvissareiro e restaurador documento, ele, o alvará.

A postagem foi longa, mais longa foi a empreitada.

Fim do ano forense de 2016. Que venha 2017.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Janela da interpretação criativa e insegurança jurídica

Um dos meus bravos e destemidos 16 leitores perguntou, logo após o julgamento que conservou  o presidente do Senado no cargo, se não vou escrever sobre o STF. Sim, é verão, por sinal, já é tempo. O verso seguinte da canção diz, de abrir o coração e sonhar. No nosso caso, de abrir os olhos e constatar, sim, o "nosso" Supremo Tribunal Federal é um tribunal político. 

Esta frase me remete instantaneamente de volta à sala de aula na Faculdade de Direito da UFMG há vinte e tantos anos, na Praça Afonso Arinos, sala voltada para a Avenida Álvares Cabral. A frase foi antecedida pelo conselho: não se iludam. Surpresa de estudante. Mas, como? E o Direito?

O direito esteve, está e estará disposto nas inúmeras e milhares páginas que acompanham os caudalosos votos, num sentido ou no outro, embasando as interpretações criativas que nos assombram a cada semana. 

A interpretação do fatiamento da Constituição foi sensacional, e segundo o ministro que presidia a contribuição foi levantada pelo secretário da Mesa do Senado, o jovem Bandeira. 

Depois do fatiamento da Constituição perpetrado no impeachment da presidente, que conservou, pelo fatiamento, os direitos políticos, veio a permanência de Calheiros no cargo mas sem direito à linha sucessória da presidência da República. Esta tese tem também a sua originalidade, que foi, é fato, conspurcada pelos jornais em tempo real e de véspera alegando a existência de um acordo entre as cúpulas dos poderes envolvidos.

Ontem, dizem os jornais, o acordo foi por água abaixo, com a insistência de Calheiros em votar o P L 280 do abuso de autoridade. Veio imediatamente a liminar de Fux, (íntegra da decisão Fux). suspendendo o andamento do projeto da lei anticorrupção no Senado e sua devolução à Câmara dos Deputados. A liminar foi concedida em mandado de segurança impetrado por Eduardo Bolsonaro (MS 34530), que questiona vício de iniciativa na emenda que propõe a responsabilização de juízes e membros do MP.

Renan desiste da votação do PL 280 mas quer pressa, ainda neste ano, na votação na Câmara de três projetos que limitam o pagamento de salários ao teto constitucional. Hoje a Folha estampa a frase de Gilmar Mendes sobre Fux. Disse Gilmar à Folha que Fux "deveria fechar o Congresso de vez e dar a chave ao procurador Deltan Dallagnol (Lava Jato)".

Estamos assim sob fogo cruzado.

Ontem, enquanto trabalhava acompanhava on line a sessão que julgava a ação (ADI 5540) movida pelo DEM que pede ao STF confirme a dispensa de autorização da Assembléia de Minas para recebimento de denúncia de crime comum contra o governador pelo STJ, e seu consequente afastamento. 

Um olho no gato, outro no peixe, atenção difusa, faculdade predominante no gênero feminino, ao que parece.

Reparei que a face da presidente Carmen Lúcia estava serena, ao contrário do julgamento de Renan, era visível seu abatimento naquela ocasião. 

Ouvi a sustentação oral do advogado paulista Márcio Cammarosano pelo DEM, falou lindamente, com propriedade e conhecimento. Depois pela Assembléia de Minas o Procurador-Geral Bruno de Almeida. Ponto.

Do ministro Fachin ouvi que a autorização é uma "afronta cristalina ao princípio da igualdade" e do ministro Barroso que a autorização atende a "propósitos chapadamente antirrepublicanos", citando Pertence. Eis que, abriu-se novamente a janela da interpretação criativa, Barroso que se disse em grande porção de acordo com Fachin, entendeu que o afastamento não é automático com o recebimento da denúncia. Sei. Mas pode ser determinado em liminar se requerida. Ah.

Veio o pedido de vista de Teori. Íamos tão bem.

Vamos sendo atropelados pelos fatos políticos e jurídicos, aliás, judiciais. Cada dia a surpresa supera a da véspera. Emocionante viver no Brasil nestes tempos, em ebulição constante.

Persistência contra jurisprudência majoritária

E nquanto a nossa mais alta corte de justiça, digo, um dos seus integrantes, é tema no Congresso americano lida-se por aqui com as esferas h...