Caros e valentes leitores, daqui a poucas horas findará o último dia útil deste ano que termina. O fecho foi com chave de ouro, alvará, essa palavra mágica que faz advogados sorrirem instantaneamente.
Como? - indagarão os leigos - não se está em pleno recesso forense? Ainda há vida forense nas varas mesmo com os portões fechados, as urgências, as liminares ainda correm. E atrás delas correm os advogados.
Aqui vai o depoimento de uma advogada sobre o plantão nas varas da Fazenda de Belo Horizonte durante o recesso, inesquecível, é a palavra. A qualquer reclamação dos entraves seguidos, vinha a explicação, é a Portaria 595, a senhora sabe. Sim, a Portaria Conjunta 595 deve ter suas altas razões para dispor assim ou assado, mas a prática (para os advogados, que fique claro), é que o plantão rotativo entre as varas interrompe a sequência de atos urgentes. E lá vai o advogado explicar tudo de novo a um novo servidor, etc., etc..
Para sair hoje de lá com o alvará em mãos, finalmente, estive em umas quatro vezes durante o recesso em três cartórios e falei com seis servidores.
O processo eletrônico implantado, essa carruagem moderna, vive no recesso seus dias de abóbora. O processo eletrônico não corre eletronicamente no recesso forense, se houver medida urgente, será vertido para o papel, autuado, numerado, rubricado, e irá assim, em autos físicos para o juiz de plantão.
Isso se o advogado estiver lá, in loco, diligenciando, pedindo, indo de uma vara a outra. Pronto, processo impresso, (a inicial, a decisão da tutela, os laudos médicos, as fotografias, a manifestação do Estado, o pedido de sequestro, a decisão que deferiu o sequestro, o pedido de alvará), o bravo leitor deve estar exausto a esta altura, não sem razão.
Impresso o processo na vara original leva-se à vara de plantão onde será autuado e numerado e concluso ao juiz de plantão. À frase quero despachar, recebo: o juiz não recebe advogado. Mais essa, pensei e inovei na reclamação: mas, isso não é republicano, quase em tom de blague. Advogados têm sempre um discurso envolvendo o Estado de Direito na ponta da língua. Em tempos de recesso, com os cartórios vazios tudo fica mais leve e neste caso, escutei com tranquilidade o motivo e dei razão ao juiz plantonista. Informaram que no dia anterior compareceram quarenta advogados para despachar. Justíssimo. Ou aprecia liminares ou recebe advogados. O diligente servidor prometeu encaminhar os autos ao juiz naquele dia mesmo, e com seu auxílio contei as etapas do intricado processo de sequestro (bloqueio de dinheiro do Estado que passa por informação do Banco Central e transferência para conta judicial) e calculei que, se tudo corresse normalmente o alvará estaria pronto na quinta-feira desta semana.
Estive lá ontem, aliás, na vara de plantão da vez, e descobri que não. Não correu tudo normalmente justamente pelo plantão alternado de varas. Uma vara fez o bloqueio, a vara seguinte de nada sabia, olha aí de novo o advogado em cena, diligenciando, explicando, pedindo. Mais um passo dado, agora sim, sairá a transferência, mas não hoje, só na segunda-feira porque no último dia útil do ano não há expediente bancário.
Só na terça-feira, o alvará que busquei hoje, poderá ser levado ao banco e finalmente o cliente poderá comprar o medicamento para sua doença grave.
Aconteceu uma coisa curiosa, aliás várias coisas. Antes de uma dessas diligências demoradas o filho do cliente idoso pediu que eu o mantivesse, o filho, informado do andamento pelo aplicativo do whatsapp. A medida foi reveladora, ficou flagrante a dificuldade encontrada pelo advogado em fazer cumprir uma ordem judicial. A sequência de atos e providências é algo inacreditável a um leigo, que ficou estupefato, para dizer o mínimo e não economizou adjetivos (um tanto prosaicos). Ao final declarou ter pena dos advogados.
Além de revelar as dificuldades e entraves que o advogado tem de superar para conseguir uma ordem judicial e executá-la ficou claro também o desconhecimento do trabalho do advogado. Que envolve além do trabalho técnico e escrito toda uma gama de atividades que exigem boa comunicação, empatia e jogo de cintura. Além de persistência e muita, muita paciência.
Talvez decorra desse desconhecimento algum menosprezo ao trabalho do advogado, como estranhar a cobrança de consulta ou taxar como caros honorários razoáveis. Males não sofridos pelos médicos, por exemplo, salvo melhor juízo.
Creio que depois desse choque de realidade via whatsapp, (não o poupei de nada), haverá uma mudança qualitativa na crença do meu interlocutor quanto a advogados e seu trabalho. Assim, recomendo vivamente aos colegas que, aparecendo a oportunidade, façam o mesmo. É prestação de serviço à classe a difusão de conhecimento sobre nosso trabalho.
Numa dessas longas diligências e conversações tive informações preciosas, por exemplo, aquele juiz de quem não tive boa impressão (eufemismo) ao despachar uma urgência em julho, soube ser um juiz operoso, às sete horas da manhã já está na vara trabalhando. Ótimo. Ponto para ele. Já aqueloutro, ótimo no trato com advogados para despachar já não é tão operoso.
Na diligência de ontem e longa espera aprendi sobre gestão de processos conversando com um advogado que também esperava. Do que falávamos? Sobre a qualidade do serviço público brasileiro, exatamente o que vivenciávamos naquele momento. Disse-me que foi servidor público e antes disso foi funcionário de empresa privada. E levou seu conhecimento da iniciativa privada para o serviço público. Ficou mesmo estarrecido com a balbúrdia das Juntas de Conciliação e Julgamento da Justiça Trabalhista do Rio de Janeiro há muitos anos atrás, processos pelo chão, um caos. Organizado por convicção e pelos métodos da empresa privada, trabalhou sábados e domingos até organizar a vara. Seu lema era: um documento de 30 anos tem que ser encontrado em 30 segundos. E encontrava. Seu precioso trabalho foi jogado fora, em pouco tempo a vara voltou à balbúrdia.
Sem suportar a desordem pediu para ser transferido e foi, para a vara modelo, a 8ª Junta de Conciliação e Julgamento da justiça trabalhista carioca. A vara era regida por funcionária com mão de ferro e por isso mesmo, não era muito querida pelos funcionários. Os organizados, meu interlocutor e a chefe deram-se às mil maravilhas, ambos adeptos de processos de gestão. Ótima história para embalar a espera.
Hoje estive com a sétima servidora da terceira vara de plantão da vez e estou de posse do alvissareiro e restaurador documento, ele, o alvará.
A postagem foi longa, mais longa foi a empreitada.
Fim do ano forense de 2016. Que venha 2017.
Obrigado, Valéria por este seu trabalho que só nos enriqueceu durante este ano. Que 2017 seja um novo ano de muitas felicidades para você e sua família.
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