quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Janela da interpretação criativa e insegurança jurídica

Um dos meus bravos e destemidos 16 leitores perguntou, logo após o julgamento que conservou  o presidente do Senado no cargo, se não vou escrever sobre o STF. Sim, é verão, por sinal, já é tempo. O verso seguinte da canção diz, de abrir o coração e sonhar. No nosso caso, de abrir os olhos e constatar, sim, o "nosso" Supremo Tribunal Federal é um tribunal político. 

Esta frase me remete instantaneamente de volta à sala de aula na Faculdade de Direito da UFMG há vinte e tantos anos, na Praça Afonso Arinos, sala voltada para a Avenida Álvares Cabral. A frase foi antecedida pelo conselho: não se iludam. Surpresa de estudante. Mas, como? E o Direito?

O direito esteve, está e estará disposto nas inúmeras e milhares páginas que acompanham os caudalosos votos, num sentido ou no outro, embasando as interpretações criativas que nos assombram a cada semana. 

A interpretação do fatiamento da Constituição foi sensacional, e segundo o ministro que presidia a contribuição foi levantada pelo secretário da Mesa do Senado, o jovem Bandeira. 

Depois do fatiamento da Constituição perpetrado no impeachment da presidente, que conservou, pelo fatiamento, os direitos políticos, veio a permanência de Calheiros no cargo mas sem direito à linha sucessória da presidência da República. Esta tese tem também a sua originalidade, que foi, é fato, conspurcada pelos jornais em tempo real e de véspera alegando a existência de um acordo entre as cúpulas dos poderes envolvidos.

Ontem, dizem os jornais, o acordo foi por água abaixo, com a insistência de Calheiros em votar o P L 280 do abuso de autoridade. Veio imediatamente a liminar de Fux, (íntegra da decisão Fux). suspendendo o andamento do projeto da lei anticorrupção no Senado e sua devolução à Câmara dos Deputados. A liminar foi concedida em mandado de segurança impetrado por Eduardo Bolsonaro (MS 34530), que questiona vício de iniciativa na emenda que propõe a responsabilização de juízes e membros do MP.

Renan desiste da votação do PL 280 mas quer pressa, ainda neste ano, na votação na Câmara de três projetos que limitam o pagamento de salários ao teto constitucional. Hoje a Folha estampa a frase de Gilmar Mendes sobre Fux. Disse Gilmar à Folha que Fux "deveria fechar o Congresso de vez e dar a chave ao procurador Deltan Dallagnol (Lava Jato)".

Estamos assim sob fogo cruzado.

Ontem, enquanto trabalhava acompanhava on line a sessão que julgava a ação (ADI 5540) movida pelo DEM que pede ao STF confirme a dispensa de autorização da Assembléia de Minas para recebimento de denúncia de crime comum contra o governador pelo STJ, e seu consequente afastamento. 

Um olho no gato, outro no peixe, atenção difusa, faculdade predominante no gênero feminino, ao que parece.

Reparei que a face da presidente Carmen Lúcia estava serena, ao contrário do julgamento de Renan, era visível seu abatimento naquela ocasião. 

Ouvi a sustentação oral do advogado paulista Márcio Cammarosano pelo DEM, falou lindamente, com propriedade e conhecimento. Depois pela Assembléia de Minas o Procurador-Geral Bruno de Almeida. Ponto.

Do ministro Fachin ouvi que a autorização é uma "afronta cristalina ao princípio da igualdade" e do ministro Barroso que a autorização atende a "propósitos chapadamente antirrepublicanos", citando Pertence. Eis que, abriu-se novamente a janela da interpretação criativa, Barroso que se disse em grande porção de acordo com Fachin, entendeu que o afastamento não é automático com o recebimento da denúncia. Sei. Mas pode ser determinado em liminar se requerida. Ah.

Veio o pedido de vista de Teori. Íamos tão bem.

Vamos sendo atropelados pelos fatos políticos e jurídicos, aliás, judiciais. Cada dia a surpresa supera a da véspera. Emocionante viver no Brasil nestes tempos, em ebulição constante.

Um comentário:

  1. Essa expressão "tribunal político" é das mais ambíguas do direito. É político, sim, dentro da boa ciência, porque é a última instância, detém a última palavra sobre os assuntos que aprecia e, portanto, é dotado e exerce verdadeiramente o Poder. O outro sentido é uma corruptela que se amolda, infelizmente, às práticas. Triste é quando aparece um para justificar os desvirtuamentos do STF a partir da lição: "O STF é um tribunal político!" É o equivalente a tomar o princípio do livre convencimento do juiz como uma porta aberta a qualquer juízo, por mais arbitrário que seja.

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