No dia 17/2 o STF julgou o HC 126.292, que discute a legitimidade de ato do TJ/SP
que, ao negar provimento ao recurso exclusivo da defesa, determinou o início da
execução da pena. Por maioria, 7 votos a 4, o plenário mudou jurisprudência da
Corte, afirmando que é possível a execução da pena depois de decisão
condenatória confirmada em segunda instância.
O relator ministro Teori Zavacski votou pela mudança de
jurisprudência, e com ele votaram os ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. A ministra Rosa Weber
divergiu, alegando não se sentir preparada para enfrentar a questão e mudar a
jurisprudência da Corte.
Os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e
Gilmar Mendes acompanharam o relator.
Marco Aurélio também divergiu,
mantendo o entendimento segundo o qual a sentença só pode ser executada após o
trânsito em julgado da condenação. "Não
vejo uma tarde feliz em termos jurisdicionais na vida deste Tribunal, na vida
do Supremo", lamentou o ministro. Segundo ele, após este
julgamento há dúvidas se a Constituição poderá ser chamada de
"Constituição Cidadã".
Assista a
seguir a entrevista da criminalista de Ribeirão Preto, advogada no Habeas
Corpus que mudou a jurisprudência do Supremo, Maria Cláudia Seixas ao
Informativo Migalhas. (Fonte: Migalhas, 17/2/16).
A carta aberta da advogada
Maria Cláudia Seixas*
"A decisão do STF nos entristece. Fere a Constituição Federal, não apenas na presunção de inocência, mas em tantas outras garantias constitucionais, como, por exemplo, a dignidade da pessoa humana. Pena antecipada, em um País que possui um sistema carcerário absolutamente falido, é algo assustador para todos os cidadãos brasileiros, que, por anos, lutaram por um Estado Democrático de Direito.
Rogo para que os juízes de base e os tribunais estaduais e federais, com a quantidade infinita dos casos que lhe são apresentados, possam ter a serenidade de enfrentarem, caso a caso, a questão da pena antecipada.
Relato do caso: Márcio, o paciente do habeas corpus que o STF julgou, é um jovem com pouco mais de 20 anos, casado e pai de dois filhos. Não possui nenhum antecedente criminal. Filho da empregada de uma ex-estagiária da minha filha.
Foi, injustamente, apontado como autor de um roubo. E foi defendido graciosamente durante a ação penal. Na data dos fatos foi decretada a sua prisão. Seguiram-se depoimentos, no mínimo, nebulosos durante a fase policial, como por exemplo, testemunhas presenciais reconheceram Márcio mesmo afirmando que ele estava de capuz tipo ninja e capa de chuva, testemunhas presenciais que foram até a casa de Márcio cobrar o suposto dinheiro que teria sido por ele roubado e, só depois, voltando para casa sem o numerário, foram, espontaneamente, até a delegacia e o reconheceram. Mas tudo se inverteu na frente do juiz. De três testemunhas presenciais, duas simplesmente não reconheceram Márcio como o autor do crime. Não confirmaram seus depoimentos prestados no inquérito policial; muito pelo contrário, o alteraram flagrantemente. A vítima também não reconheceu Márcio. Restou, apenas, uma testemunha que prestou um depoimento, no mínimo, dúbio. No começo de seu depoimento disse não ser capaz de reconhecer nenhum assaltante. Em seguida, depois de “alertada” pelo promotor que participava da audiência sobre a possibilidade de cometer o crime de falso testemunho (por estar indo contra o que disse na delegacia), alterou o que tinha dito em juízo e confirmou as suas declarações prestadas no inquérito.
O juiz, que conduziu a audiência brilhantemente, vendo a fragilidade da prova colhida, revogou, no mesmo ato, a prisão injustamente decretada em desfavor do Márcio que, como era de esperar, voltou a trabalhar e a levar sua vida da forma mais digna e honesta possível, cuidando de sua esposa, mãe e filhos.
Todavia, qual não foi a surpresa de, tempos depois, ter sido proferida sentença condenatória (mesmo com a fragilidade probatória acima, narrada de forma sucinta) aplicando a pena no mínimo legal (totalizando 5 anos e 4 meses), mas fixando o regime fechado. O juiz que prolatou a sentença foi diverso daquele que conduziu a instrução probatória.
Continuamos defendendo Márcio, graciosamente, por entender que ele tinha sido injustamente condenado e que o princípio da identidade física do juiz não tinha sido observado. Os autos subiram para o Tribunal de Justiça de São Paulo que não só manteve a injusta condenação como determinou a imediata prisão de Márcio. A nossa atuação (sempre pro bono), que se encerraria em segundo grau, foi além.
Novamente, considerando injusta a situação do Márcio e o futuro que estava sendo escrito para ele, recorremos. Protocolizamos recurso especial, extraordinário e impetramos habeas corpus contra a prisão ilegalmente decretada no STJ. Era final de ano. O presidente do STJ negou a liminar. Férias forenses. Férias das advogadas. A então estagiária da minha filha, depois de todo este tempo, já tinha se tornado advogada e elaborou o habeas corpus para o Supremo. Por não ter assinatura eletrônica pediu a nossa ajuda, que, prontamente, foi aceita. HC impetrado, liminar concedida.
Nesse meio tempo, importante dizer, que o STJ, ao julgar o recurso especial interposto em favor do Márcio reconheceu a ilegalidade na fixação do regime fechado e determinou que ele inicie o cumprimento da sua pena em regime semiaberto.
Até aí, tudo transcorrendo normalmente, quando, na data de 17.02.2016, o Supremo, sem alarde – como ocorre de costume quando casos polêmicos vão a julgamento –, menos de 2 meses após afetar ao Plenário o julgamento do habeas (sendo que destes dois meses conta-se o recesso de final de ano do Supremo, que foi do dia 20 de dezembro até 1º. de fevereiro!) fez um dos maiores julgamento da história recente daquele tribunal. Não tem como negar a estranheza deste agir. Por que esse julgamento foi realizado de uma forma tão açodada? Jamais se terá resposta para essa pergunta.
Fato é que a maioria dos Ministros rasgou – não encontro outra palavra mais adequada para representar este momento – a Constituição, curvou-se à opinião pública, não fez contas matemáticas e deu um empurrão para falir, ainda mais, o sistema carcerário brasileiro.
Agora, há que se temer o futuro, pois, a partir do momento em que a opinião pública é levada em consideração pelos d. Ministros da mais alta corte deste país, para orientar a decisão do processo discutindo tão importante tema – seja para o próprio paciente, seja para a sociedade como um todo – tempos sombrios estão por vir. Quem garante que o próximo passo não será extirpar o duplo grau de jurisdição, pelo fato de a opinião pública entender – e isso é fato – que há muitos recursos no Brasil?" (Fonte: Migalhas, 22/2/16).
*Advogada criminalista em Ribeirão Preto/SP
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