Salve, Leitores. Brasileiros e brasileiras (herança dos discursos de Sarney à nação), a moda hodierna de saudar pelo masculino e feminino (abomino, perdoem-me os contrários), como se vê é antiga.
Os advogados movimentam-se, finalmente, diante do caos que vivemos. Já não era sem tempo. Aí está o parecer encabeçado pelo jurista Miguel Reale Júnior com mais seis encaminhado ao relator Ministro Gilmar Mendes na ADPF 799, na qual o PSB postula a não recepção parcial da Lei de Segurança Nacional (L. 7.170/83) e a concessão de interpretação conforme a Constituição a alguns de seus dispositivos.
O Parecer conta 16 páginas. Dele destacamos os trechos a seguir sobre os temas liberdade de expressão e crítica ao poder:
Não recepção do art. 26 (e do art. 1º,
III) da LSN 1. Desenhados os limites da imprescindível proteção institucional,
cumpre escrutinar outro dispositivo da LSN que entra em rota de colisão com o
exercício da liberdade de expressão: o art. 26, em que se
proíbe, com ameaça de pena de reclusão de 01 a 04 anos, a conduta de “caluniar
ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos
Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando-lhes fato definido como
crime ou fato ofensivo à reputação”. Esse tipo penal, que confere
especial proteção à honra de determinados agentes públicos encontra-se
em descompasso com a Constituição (art. 5º IV e IX) e com a moderna
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e de outros Tribunais
internacionais.
2. Nesse caso, a aplicação dos parâmetros lançados acima conduz à conclusão de que a solução mais escorreita é, de fato, a não recepção do art. 26 e, por conseguinte, do art. 1º III da LSN – que consagra a proteção da “pessoa dos chefes dos Poderes da União”:
2.1. O art. 26 da LSN simplesmente inverte a relação de primazia do institucional sobre o pessoal em um duplo sentido: ao confundir, em primeiro lugar, o ocupante da Presidência de um dos Poderes com a Presidência, e, em segundo lugar, ao confundir a Presidência com a instituição em si. Em primeiro plano passa a estar não o real funcionamento das instituições – preocupação máxima da LSN –, mas a “honorabilidade” ou da Presidência, ou de seus membros enquanto tais. Essa dimensão individual, contudo, já vem atendida pela lei penal.
* * *
Na jurisprudência do Tribunal
Constitucional Alemão – o “Bundesverfassungsgericht” –, por exemplo,
ressalta-se recorrentemente a importância da “crítica ao poder” (“Machtkritik”).
Quer-se, com isso, atenuar o permanente risco de que sejam punidas “críticas
sociopolíticas” resguardadas pelo direito à liberdade de expressão. As
instituições e agentes públicos devem se submeter à vigilante sindicância dos
cidadãos em nome de quem o poder é exercido.
As conclusões do Parecer:
1.1. O art. 22 I da LSN deve sofrer
interpretação conforme à Constituição que exclua da incidência do tipo penal a
realização de propaganda desacompanhada de aptidão para o real abalo do
funcionamento das instituições do Estado de Direito, nos termos acima
definidos.
1.2. O art. 26 e o art. 1º III da LSN devem ser considerados não recepcionados pela Constituição da República de 1988, por corporificarem intervenção ilegítima no direito à liberdade de expressão (art. 5 IV CF).
2. “Liberdade de expressão é risco”, constatava o ex juiz do Tribunal Constitucional alemão Johannes Masing o Estado de Direito deve aprender a conviver com esse risco. A presunção em favor da liberdade de expressão no contexto do debate público – jornalístico, artístico, por escrito ou por meio digital – deve ser levada a sério, desde que, naturalmente, estejam ausentes outros métodos de agressão acompanhantes, como violência, ameaça de violência ou coação.
O art. 22 I da vigente LSN não se
destina a garantir a “imagem” ou “honorabilidade” das instituições, nem a
estabelecer pacifismo institucional ou subserviência a todo custo, mas a
garantir o funcionamento real das instituições que servem à realização efetiva
dos direitos fundamentais dos cidadãos – inclusive do direito à liberdade de
expressão – e à consecução dos objetivos da República.
Depois
de ler o Parecer surge a natural curiosidade de conhecer a petição inicial da
Arguição de Preceito Fundamental proposta pelo PSB – Partido Socialista
Brasileiro.
Bem,
a inicial da ADPF com pedido cautelar conta 44 páginas e seu preâmbulo é
histórico:
“Temos
ódio à ditadura. Ódio e nojo”.
(Ulysses
Guimarães, no discurso de promulgação da Constituição de 1988.)
Relembremos: vídeo
A
ação tem como objeto a declaração de não recepção, pela Constituição de 1988,
dos seguintes dispositivos da Lei nº 7.170/1983 (Lei de Segurança Nacional,
LSN): art. 7º, caput; art. 23, incisos I a III; art. 26; art. 30, caput; art.
31, inciso III; art. 32; e art. 33; e ainda:
bem como dos
seguintes trechos de dispositivos da LSN:
“Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no Código Penal Militar ou em leis especiais”, constante no art. 2º, caput;
“ilegais”, presente no art. 22, I; e
“de luta pela violência entre as classes sociais”, contida no art. 22, II; e, ainda,
que se realize interpretação conforme a Constituição da expressão “atos de hostilidade contra o Brasil”, constante no art. 8º, caput, para limitar a sua incidência aos atos violentos, praticados em contexto de conflito armado.
Já o pedido da ação contém quanto ao mérito 12 subitens:
f) seja, no mérito, julgado procedente o pedido,
para:
f.1) declarar a não recepção, pela CF/88, da
expressão “Quando o fato estiver também previsto como crime no Código Penal, no
Código Penal Militar ou em leis especiais”, constante no art. 2º, caput, da Lei
de Segurança Nacional;
f.2) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
7º, caput, da Lei de Segurança Nacional;
f.3) promover interpretação conforme à Constituição
da expressão “atos de hostilidade”, constante no art. 8º, caput, da Lei de
Segurança Nacional, para limitar a sua incidência aos atos violentos,
praticados em contexto de conflito armado;
f.4) declarar a não recepção, pela CF/88, da
expressão “ou ilegais”, presente no art. 22, I, da Lei de Segurança Nacional;
f.5) declarar a não recepção, pela CF/88, da
expressão “de luta pela violência entre as classes sociais”, constante no art.
22, inciso II, da Lei de Segurança Nacional;
f.6) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
23, incisos I a III, da Lei de Segurança Nacional;
f.7) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
26 da Lei de Segurança Nacional;
f.8) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
30, caput, da Lei de Segurança Nacional;
f.9) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
31, inciso III, da Lei de Segurança Nacional;
f.10) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
32 da Lei de Segurança Nacional; e
f.11) declarar a não recepção, pela CF/88, do art.
33 da Lei de Segurança Nacional.
f.12) assentar que essa decisão não gera efeitos
repristinatórios em relação a quaisquer normas anteriores sobre segurança
nacional.
Pensarão os
caros Leitores a esta altura: - A que se deve a preocupação com o número de
páginas e subitens do pedido?
É que acabei de ler um acórdão do TJMG em um agravo de instrumento interposto pelo fato do juiz haver negado em um inventário, reiteradamente, que se procedesse a nova avaliação de um bem, cuja área contida no verso da certidão não foi avaliada por dois peritos oficiais em diferentes ocasiões, sabido que o processo tramita desde 2011.
Houve petição, negada; embargos de declaração, negados, e finalmente o agravo, provido pelo tribunal.
Mais de ano se passou entre as reiteradas negativas e o julgamento do recurso.
Pensemos juntos, o que teria resolvido a questão no nascedouro?
Mas isto, é claro, não ocorre no STF que conta com 1.783 pessoas entre servidores, ministros e juízes e um orçamento de R$ 712,4 milhões para funcionar.
(http://portal.stf.jus.br/transparencia/); STF aprovaproposta orçamentária para 2021
Com tal infraestrutura concluímos que serão devidamente apreciadas as 44 páginas e todos os subitens da letra f do Pedido da ADPF 799, o que poderá ser confirmado ao vivo e a cores no dia da sessão de julgamento pela TV Justiça ou posteriormente pelas redes sociais.
Todo o cuidado é pouco.
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