O instituto
dos alimentos decorre da solidariedade que deve haver entre os membros de uma
família ou parentes e, segundo Arnoldo Wald, em sua obra sobre a evolução
histórica da família, tem por finalidade assegurar o exercício do direito à
vida, previsto no artigo 5º da Constituição Federal.
O Código
Civil de 2002, em seu artigo 1.694, prevê que “podem os parentes, os cônjuges
ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver
de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às
necessidades de sua educação”, mas até quando dura essa obrigação de alimentar?
Diariamente,
o Superior Tribunal de Justiça (STJ) enfrenta diversas controvérsias ligadas ao
tema. A continuidade da prestação de alimentos aos filhos que já completaram a
maioridade é um exemplo.
De acordo
com a Súmula 358 do tribunal, “o cancelamento de pensão alimentícia de filho
que atingiu a maioridade está sujeito à decisão judicial, mediante
contraditório, ainda que nos próprios autos”. Isso porque, apesar de o poder
familiar se extinguir com a maioridade, o direito à percepção de alimentos não
é encerrado de forma automática, uma vez que passa a ter fundamento nas
relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado.
Graduação
A jurisprudência
do STJ tem entendido que o pagamento de alimentos ao filho estudante se
completa com a graduação, uma vez que “permite ao bacharel o exercício da
profissão para a qual se graduou, independentemente de posterior
especialização, podendo assim, em tese, prover o próprio sustento”.
Em
julgamento realizado pela Terceira Turma, o colegiado desonerou um pai da
obrigação de prestar alimentos à filha maior de idade, que estava cursando
mestrado. O colegiado reconheceu que a pós-graduação – lato ou stricto
sensu – agrega significativa capacidade técnica, mas ressalvou que o
estímulo à qualificação profissional dos filhos não pode tornar a obrigação
alimentar um eterno dever de sustento.
“Essa
correlação tende ao infinito: especializações, mestrado, doutorado,
pós-doutorado, MBA, proficiência em língua estrangeira, todos, de alguma forma,
aumentam a qualificação técnica de seus alunos, e a não delimitação de um marco
qualquer poderia levar à perenização do pensionamento prestado”, disse a
relatora, ministra Nancy Andrighi.
Esse mesmo
entendimento foi aplicado pela Quarta Turma em uma ação de exoneração de
alimentos na qual o pai alegava que a obrigação alimentar com a filha, de 25
anos, formada em direito e com especialização, não poderia ser eternizada.
O relator,
ministro Luis Felipe Salomão, entendeu que a manutenção da obrigação de
alimentar, no caso, configuraria um desvirtuamento do instituto dos alimentos,
que devem ser conferidos apenas a quem não tem possibilidade de se manter com
seu trabalho.
Segundo o
acórdão, “havendo a conclusão do curso superior ou técnico, cabe à alimentanda
– que, conforme a moldura fática, por ocasião do julgamento da apelação,
contava 25 anos de idade, nada havendo nos autos que deponha contra a sua saúde
física e mental, com formação superior – buscar o seu imediato ingresso no
mercado de trabalho, não mais subsistindo obrigação (jurídica) de seus
genitores de lhe proverem alimentos”.
Ex-cônjuge
De acordo
com a jurisprudência do STJ, “os alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter
caráter excepcional, transitório e devem ser fixados por prazo determinado,
exceto quando um dos cônjuges não possua mais condições de reinserção no
mercado do trabalho ou de readquirir sua autonomia financeira”.
Essa
transitoriedade, de acordo com julgados da corte, serve apenas para viabilizar
a reinserção do ex-cônjuge no mercado de trabalho ou para o desenvolvimento da
capacidade de sustentação por seus próprios meios e esforços, uma vez que “o
fim do casamento deve estimular a independência de vidas e não o ócio, pois não
constitui garantia material perpétua”.
Em
julgamento da Terceira Turma, envolvendo a dissolução de um casamento de quase
30 anos, o ex-marido buscava a liberação do dever alimentar fixado no valor de
um salário mínimo em favor da ex-mulher, descontado de sua folha de pagamento
por quase 20 anos.
A exoneração
foi julgada procedente em primeira instância, mas a decisão foi reformada em
segundo grau. O tribunal de origem considerou que a ex-mulher não possuía
condições de buscar uma reinserção no mercado do trabalho, devido à idade (59
anos) e à falta de qualificação e experiência, em razão de se ter dedicado
exclusivamente ao lar e à família. Seu estado de saúde também foi levado em
consideração.
No recurso
ao STJ, o marido destacou que, além de as doenças apresentadas pela ex-mulher
não serem incapacitantes para todo e qualquer trabalho, foram adquiridas muito
depois do divórcio. Além disso, a incapacidade não foi declarada em nenhum
documento formal.
Ociosidade
fomentada
Em seu voto,
o relator, ministro Villas Bôas Cueva, reafirmou o entendimento do STJ de que
“não se deve fomentar a ociosidade ou estimular o parasitismo nas relações
entre ex-cônjuges, principalmente quando, no tempo da separação, há plena
possibilidade de que a beneficiária dos alimentos assuma, em algum momento, a
responsabilidade sobre seu destino, evitando o prolongamento indefinido da
situação de dependência econômica de quem já deixou de fazer parte de sua
vida”.
Para o
ministro, os mais de 19 anos em que recebeu a pensão foi tempo suficiente e
razoável para que a ex-mulher pudesse se restabelecer e seguir a vida sem o
apoio financeiro do ex-cônjuge. “À época da fixação da obrigação alimentar, a
recorrida contava com 45 anos de idade, jovem, portanto, não podendo ser
imputada sua escolha pessoal de não buscar se inserir no mercado de trabalho ao
recorrente”, afirmou o relator.
Em relação à
questão da saúde, Villas Bôas Cueva entendeu que a situação explicitada não se
mostrou incompatível com toda e qualquer atividade profissional. Ele sugeriu
ainda a possibilidade de a mulher, com base na solidariedade familiar, formular
o pedido de alimentos a seus parentes mais próximos, invocando o artigo 1.694
do Código Civil.
“O dever de
alimentos entre ex-cônjuges, com longo período separados, decorre, além do
binômio necessidade-possibilidade, da inexistência de outro parente com
capacidade para prestar alimentos que tenha o dever legal de lhe assistir
(artigos 1.696 e 1.697 do Código Civil de 2002)”, concluiu o ministro.
Óbito do
alimentante
“A obrigação
de prestar alimentos é personalíssima, intransmissível e extingue-se com o
óbito do alimentante, cabendo ao espólio saldar, tão somente, os débitos
alimentares preestabelecidos mediante acordo ou sentença não adimplidos pelo
devedor em vida, ressalvados os casos em que o alimentado seja herdeiro,
hipóteses nas quais a prestação perdurará ao longo do inventário.”
Esse
entendimento foi aplicado pela Segunda Seção do STJ no julgamento de recurso
especial contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual considerou
que, “falecido o devedor de pensão alimentícia fixada em favor de sua
ex-companheira por sentença transitada em julgado, a obrigação transmite-se ao
espólio, e o pagamento deve ter continuidade até o trânsito em julgado da
sentença de partilha, circunstância que delimitará a extinção da obrigação”.
As herdeiras
do falecido alimentante recorreram ao STJ, e a decisão foi reformada. Para a
Segunda Seção, apenas os valores não pagos pelo alimentante podem ser cobrados
do espólio, nunca a obrigação de pagar alimentos, que é personalíssima.
Segundo o
acórdão, “não há vínculos entre os herdeiros do falecido e a ex-companheira que
possibilite protrair, indefinidamente, o pagamento dos alimentos a esta,
fenecendo, assim, qualquer tentativa de transmitir a obrigação de prestação de
alimentos após a morte do alimentante”.
A decisão
ressalvou que é admitida a transmissão “apenas e tão somente quando o
alimentado também seja herdeiro, e ainda assim enquanto perdurar o inventário,
já se tratando aqui de uma excepcionalidade, porquanto extinta a obrigação
alimentar desde o óbito”.
Óbito do
alimentado
Apesar de
parecer óbvio que a morte do alimentado extingue o dever de alimentar, uma
mulher, que continuou a receber alimentos do ex-marido após o falecimento do
filho (credor da pensão alimentícia), sustentou que caberia ao pai da criança
pleitear a exoneração dos alimentos, os quais vinham sendo descontados de sua
folha de pagamento.
Por
unanimidade de votos, a Terceira Turma manteve a decisão do tribunal de origem
que determinou a restituição dos alimentos recebidos após o falecimento da
criança. Para a relatora, ministra Nancy Andrighi, “caberia à recorrente,
ciente da continuidade do crédito indevido, promover, ou ao menos tentar, a
imediata restituição dos valores ao recorrido, enquanto não houvesse ordem
judicial que o liberasse dos pagamentos. E, hipoteticamente, se o recorrido não
fosse localizado ou se recusasse a receber os valores, poderia a recorrente,
por exemplo, consignar judicialmente o montante”.
A mãe
argumentou ainda que o dinheiro recebido foi utilizado no pagamento de
medicamentos e do próprio funeral do filho e que os alimentos pagos são
incompensáveis e irrepetíveis.
A Terceira
Turma reconheceu que os alimentos são incompensáveis e irrepetíveis, mas
ressalvou que as regras que vedam a compensação e a repetição beneficiam,
exclusivamente, o credor da pensão.
“As
referidas regras não podem aproveitar à genitora que, após o falecimento do
credor, que se encontrava sob sua representação legal, apropriou-se dos valores
descontados em folha de pagamento do recorrido sem justificativa plausível”,
disse a ministra.
Em relação à
alegação de que o dinheiro foi utilizado em proveito do menor, mesmo após a sua
morte, a relatora destacou que o tribunal de origem não reconheceu que esses
gastos foram devidamente comprovados.
Os números
dos processos citados não são divulgados em razão de segredo judicial.
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