sexta-feira, 11 de maio de 2018

O efeito cascata na vida real

ou
A força vinculante das decisões em repercussão geral

Há um fio condutor entre todas as coisas. É o que costumo repetir aqui. O que haveria em comum entre Waldisney (nome fictício), jovem, pobre, filho de mãe trabalhadora e pai sumido e os semideuses* que habitam Brasília e decidem no Supremo Tribunal Federal? Qual o elo entre eles?


A força vinculante das decisões nos casos de reconhecida repercussão geral. E também pelo fato do rapaz haver participado de roubo de veículo automotor. Waldisney andava feliz por aí, depois de solto da prisão preventiva e concedido na sentença o direito de apelar em liberdade.

Eis que, confirmada a sentença pelo Tribunal, lá no final do acórdão o relator determinou após transcorrido o prazo para interposição e julgamento de eventuais recursos naquela instância, a expedição de mandado de prisão em desfavor do apelante.

Antes de passar à fundamentação da decisão o relator deixou claro que reposicionou-se quanto à questão para aderir ao posicionamento do Supremo Tribunal Federal (eis o efeito cascata (de cima para baixo) da repercussão geral)), no julgamento do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 964.246, de Relatoria do Ministro Teori Zavascki, realizado no dia 11 de novembro de 2016, oportunidade na qual foi reconhecida a repercussão geral sobre o tema.

O relator citou também o julgamento habeas corpus 126.292 realizado no dia 17 de fevereiro de 2016, no qual o STF alterou o entendimento então dominante e retomou a jurisprudência que vigorou até 2009. 

Pelo novo entendimento do STF a confirmação da condenação do acusado em segundo grau de jurisdição é o requisito para cumprimento imediato da pena de prisão e não mais o trânsito em julgado, conforme a interpretação que se fazia do art. 5º, inciso LVII, que consagra o princípio da presunção da inocência.

A bem da verdade o inciso não dispõe sobre início de cumprimento de pena, mas, sim, sobre não considerar alguém culpado antes do trânsito em julgado da decisão condenatória.

Uma (início do cumprimento da pena) decorre da outra (configuração da culpabilidade pelo trânsito em julgado), dirão alguns, não vê?

Sim e não. O que é o Direito senão interpretação, não é mesmo? É o que temos assistido e aprendido nas sessões do Supremo Tribunal Federal.

Eis aqui a fundamentação do novel entendimento, segundo o relator: o princípio da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da CR/88), não é absoluto, e deve ser entendido dentro de "normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes" (ALEXY, 1997, p.86, tradução livre).

Assim, o princípio da presunção de inocência não obsta a execução provisória da pena privativa de liberdade fixada em acordão que tenha confirmado a sentença condenatória recorrível.

Assim, o trânsito em julgado da decisão condenatória não constitui mais requisito essencial para a expedição do mandado de prisão.

Além disso, a impossibilidade de rediscussão dos fatos e provas (matéria de mérito) na interposição de Recurso Especial ou Recurso Extraordinário aos Tribunais Superiores determina a ponderação do princípio da presunção de inocência com a confirmação da condenação criminal em segunda instância, a fim de garantir a eficácia e maior celeridade da prestação jurisdicional. 

Pelo caráter vinculante do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal é que o relator, ainda que tenha sido concedido ao réu o direito de responder ao processo em liberdade, determinou a expedição de mandado de prisão em seu desfavor antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Por esse motivo, a mudança do entendimento do Supremo Tribunal Federal e pelo caráter de repercussão geral da decisão sobre o mesmo tema, é que Waldisney foi surpreendido e levado novamente à prisão. Esta é a teoria na prática.

A mãe e a irmã do rapaz correram ao Fórum Lafayette, ao cartório da vara criminal onde não receberam qualquer informação que as ajudasse sobre o ocorrido. Está certo o servidor, este trabalho é dos advogados. Não lembraram a mãe e a irmã de ir à Defensoria Pública procurar o Defensor do caso. E as vi assim, atônitas com o Estado que leva o filho preso e não explica o motivo.

Aí é que entra, também, a função social do advogado, mesmo de outra área, consulta-se o sistema, pesquisa-se, e pronto, achado o acórdão que elucida a nova prisão. O acórdão (seis páginas de termos jurídicos que foram traduzidos e simplificados ao máximo no que importa no momento) foi entregue à família do preso com a indicação de procurar a Defensoria Pública e descobrir o número do novo processo na nova vara, agora de Execuções Penais.

Antes atônitas mãe e filha, agora, conformadas diante das páginas cheias de palavras incompreensíveis dedicadas inteiramente ao moço e seu delito.

A guinada na jurisprudência e o efeito cascata da repercussão geral, o que vínhamos assistindo em longos debates pela TV Justiça, desenrolando-se ao vivo e a cores.

* Segundo o Budismo Tibetano há seis Reinos da Existência, pertencem ao reino dos semideuses pessoas que detém grande poder nas mãos, podendo influenciar a vida de um grande número de pessoas.


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