ou
A força vinculante das decisões em repercussão geral
Há um fio condutor entre todas as coisas. É o que costumo
repetir aqui. O que haveria em comum entre Waldisney (nome fictício), jovem, pobre,
filho de mãe trabalhadora e pai sumido e os semideuses*
que habitam Brasília e decidem no Supremo Tribunal Federal? Qual o elo entre
eles?
A força vinculante das decisões nos casos de reconhecida
repercussão geral. E também pelo fato do rapaz haver participado de roubo de
veículo automotor. Waldisney andava feliz por aí, depois de solto da prisão preventiva
e concedido na sentença o direito de apelar em liberdade.
Eis que, confirmada a sentença pelo Tribunal, lá no final do
acórdão o relator determinou após transcorrido o prazo para interposição e
julgamento de eventuais recursos naquela instância, a expedição de mandado de
prisão em desfavor do apelante.
Antes de passar à fundamentação da decisão o relator deixou
claro que reposicionou-se quanto à questão para aderir ao posicionamento do Supremo
Tribunal Federal (eis o efeito cascata (de
cima para baixo) da repercussão geral)), no julgamento do Recurso
Extraordinário com Agravo (ARE) 964.246, de Relatoria do Ministro Teori
Zavascki, realizado no dia 11 de novembro de 2016, oportunidade na qual foi
reconhecida a repercussão geral sobre o tema.
O relator citou também o julgamento habeas corpus 126.292 realizado no dia 17 de fevereiro de 2016, no
qual o STF alterou o entendimento então dominante e retomou a jurisprudência
que vigorou até 2009.
Pelo
novo entendimento do STF a confirmação da
condenação do acusado em segundo grau de jurisdição é o requisito para
cumprimento imediato da pena de prisão e não mais o trânsito em julgado,
conforme a interpretação que se fazia do art. 5º, inciso LVII, que consagra o
princípio da presunção da inocência.
A bem da verdade o inciso não dispõe sobre início de
cumprimento de pena, mas, sim, sobre não considerar alguém culpado antes do
trânsito em julgado da decisão condenatória.
Uma (início do cumprimento da
pena) decorre da outra (configuração da culpabilidade pelo trânsito em julgado),
dirão alguns, não vê?
Sim e não. O que é o Direito senão interpretação, não é
mesmo? É o que temos assistido e aprendido nas sessões do Supremo Tribunal
Federal.
Eis aqui a fundamentação do novel entendimento, segundo o
relator: o princípio da presunção da inocência (art. 5º, inciso LVII, da CR/88),
não é absoluto, e deve ser entendido dentro de "normas que ordenam que
algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades
jurídicas e reais existentes" (ALEXY, 1997, p.86, tradução livre).
Assim, o princípio da presunção de inocência não obsta a
execução provisória da pena privativa de liberdade fixada em acordão que tenha
confirmado a sentença condenatória recorrível.
Assim, o trânsito em julgado da decisão condenatória não
constitui mais requisito essencial para a expedição do mandado de prisão.
Além disso, a impossibilidade de rediscussão dos fatos e
provas (matéria de mérito) na interposição de Recurso Especial ou Recurso
Extraordinário aos Tribunais Superiores determina a ponderação do princípio da
presunção de inocência com a confirmação da condenação criminal em segunda
instância, a fim de garantir a eficácia e maior celeridade da prestação
jurisdicional.
Pelo caráter vinculante do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal é que o relator, ainda que tenha sido concedido ao réu o direito de responder ao processo em liberdade, determinou a expedição de mandado de prisão em seu desfavor antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Pelo caráter vinculante do posicionamento adotado pelo Supremo Tribunal Federal é que o relator, ainda que tenha sido concedido ao réu o direito de responder ao processo em liberdade, determinou a expedição de mandado de prisão em seu desfavor antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Por esse motivo, a mudança do entendimento do Supremo
Tribunal Federal e pelo caráter de repercussão geral da decisão sobre o mesmo
tema, é que Waldisney foi surpreendido e levado novamente à prisão. Esta é a
teoria na prática.
A mãe e a irmã do rapaz correram ao Fórum Lafayette, ao
cartório da vara criminal onde não receberam qualquer informação que as
ajudasse sobre o ocorrido. Está certo o servidor, este trabalho é dos
advogados. Não lembraram a mãe e a irmã de ir à Defensoria Pública procurar o
Defensor do caso. E as vi assim, atônitas com o Estado que leva o filho preso e
não explica o motivo.
Aí é que entra, também, a função social do advogado, mesmo de
outra área, consulta-se o sistema, pesquisa-se, e pronto, achado o acórdão que
elucida a nova prisão. O acórdão (seis páginas de termos jurídicos que foram traduzidos
e simplificados ao máximo no que importa no momento) foi entregue à família do
preso com a indicação de procurar a Defensoria Pública e descobrir o número do
novo processo na nova vara, agora de Execuções Penais.
Antes atônitas mãe e filha, agora, conformadas diante das
páginas cheias de palavras incompreensíveis dedicadas inteiramente ao moço e
seu delito.
A guinada na jurisprudência e o efeito cascata da repercussão
geral, o que vínhamos assistindo em longos debates pela TV Justiça, desenrolando-se
ao vivo e a cores.
* Segundo o Budismo Tibetano há seis Reinos da Existência, pertencem ao reino dos semideuses pessoas que detém grande poder nas mãos, podendo
influenciar a vida de um grande número de pessoas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O dia a dia de uma advogada, críticas e elogios aos juízes, notícias, vídeos e fotos do cotidiano forense