“A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda
e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos” (Luigi
Ferrajoli)
A
execução do carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 53 anos, condenado por
tráfico de drogas, por fuzilamento na Indonésia, às 15h30, de sábado (17),
horário de Brasília, trouxe novamente à tona o velho, mas atual, debate sobre a
pena capital.
A
discussão sobre a pena de morte é antiga, no entanto, foi a partir do século
XVIII, no período conhecido como Iluminismo, que o debate tornou-se mais amplo
e, também, mais sério. Quando falamos em pena, de morte ou qualquer outra,
necessário indagar: Qual a sua verdadeira finalidade e justificativa. Vale aqui
lembrar as investigações feitas por Luigi Ferrajoli em seu Direito e Razão…
“Para que punir?”, “Por que punir?” e “Como punir?”.
Várias
são as teorias que se desenvolveram e até hoje buscam explicar e fundamentar os
fins da pena criminal. Três são as principais teorias que procuram justificar a
natureza da pena: Teorias Absolutas ou Retributivas, Teorias Relativas ou
Utilitaristas e as Teorias Mistas ou Ecléticas.
As
teorias absolutas concebem a pena como um fim em si mesmo e buscam o fundamento
da pena na justa retribuição. Retribuição justa do mal injusto causado pelo
criminoso. O filósofo Kant dizia que ao mal do crime se impõe o mal da pena
(retribuição moral). Já Hegel procurava dar um caráter a pena de uma retribuição
jurídica, onde o crime é a negação do direito e a pena negação do crime e,
portanto, restabelecimento do direito.
Para
as teorias relativas também chamadas de teorias de prevenção (geral e
especial), a razão de ser da pena está na necessidade de segurança social, a
que ela serve como instrumento de prevenção do crime. O fim da pena é realizar
funções úteis na sociedade; a pena é justa porque é necessária e útil (critério
utilitarista).
Cesare
de Beccaria em seu clássico livro “dos delitos e das penas” escrito em 1764
sustentava que: “o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível,
nem desfazer um delito já cometido. É concebível que um corpo político, que,
bem longe de agir por paixão, é o moderador tranquilo das paixões particulares,
possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento de furor e do fanatismo, ou
dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo
sem retorno as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas impedir que o réu
cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.
A
diferença entre justificações absolutas ou retributivas e justificações
relativas ou utilitaristas, encontra-se expressa na fórmula de um trecho de
Sêneca: as justificações do primeiro tipo são quia peccatum,
referem-se ao passado; aquelas dos segundo, ao contrário, são ne
peccetur, dizem respeito ao futuro.
Grosso
modo, podemos afirmar que as teorias unitárias ou mistas procuram fundir, no
mesmo plano, a ideia do justo (retribuição) e a ideia do útil (prevenção).
Há,
ainda, outras teorias que tentam fundamentar os fins da pena e outra que chegam
até mesmo negar qualquer finalidade, contudo, não nos cabe neste espaço fazer
uma abordagem mais profunda sobre cada uma destas teorias.
No
que se refere à pergunta “como punir”, Luigi Ferrajoli, em sua já citada obra,
lembrando Montesquieu, Beccaria, Romagnosi, Bentham e Carmignani, diz que a
pena deve ser “necessária” e “a mínima dentre as possíveis” no que diz respeito
à prevenção de novos delitos. Trata-se no dizer do jurista italiano de uma
afirmação “revolucionária, ainda que aparentemente banal” e que foi
recepcionada pelas primeiras cartas constitucionais como “freio as penas
inutilmente excessivas”. Assim, o art. 8º da Declaração de 1789 proclama
que “A lei não deve estabelecer mais do que penas estritamente e evidentemente
necessárias”.
Alguns
podem afirmar, com inteira razão, que os argumentos utilitaristas não são
suficientes para rechaçar a pena de morte e outras penas cruéis e desumanas já
que do ponto de vista utilitário o próprio Marquês de Beccaria admitia a pena
capital no caso de traição ao Estado posto que segundo ele o réu poderia
continuar a influenciar pessoas com ideias subversivas mesmo estando preso.
Por
tudo é que o principal argumento contra a pena de morte é o que se refere, no
dizer de Ferrajoli, a falta de humanidade, é o respeito à pessoa humana e na
própria máxima kantiana de que o homem, inclusive o condenado, não pode ser
tratado como meio ou coisa, senão sempre como fim ou pessoa.
Certo é que independente da teoria abraçada a pena de morte apresenta-se ainda como uma das espécies de pena adotada em diversos países. Segundo os últimos dados da Anistia Internacional em 2013 houve 778 execuções no mundo, 96 a mais do que no ano anterior. Sendo que 1.925 pessoas foram condenadas à morte em 57 países em 2013. Portanto, é preciso destacar alguns pontos em relação à pena de morte: nos países que adotam a pena de morte não se verifica uma diminuição da criminalidade, principalmente da criminalidade violenta; no caso de execução a morte o erro judiciário é irreparável – e nos EUA várias execuções foram suspensas pela descoberta de erros que levaram o indivíduo ao corredor da morte. Estudo da Universidade de Michigan indica que um a cada 25 condenados à morte nos EUA é inocente. É ilusão, também, imaginar que o custo da pena de morte é menor do que o custo de se manter uma pessoa presa ainda que por um longo período. Até o condenado ser executado é gasto milhões para mantê-lo no corredor da morte aguardando julgamento de recursos até o dia da sua execução.
Outro fato que não pode ser desconsiderado é o que diz respeito à questão racial e social daqueles que são levados à execução. A maioria dos executados nos EUA é de negros e pobres. Nos EUA, um negro que mata um branco tem cinco vezes mais chances de ser executado do que um branco que mata um negro.
Outros
fatores poderiam ser elencados contrariamente a pena de morte. Contudo, faço
minhas as palavras de Dostoievski, citadas aqui por Norberto Bobbio: “Foi dito:
Não matarás. E, então, se alguém matou, por que se tem de matá-lo também? Matar
quem matou é um castigo incomparavelmente maior do que o próprio crime. O
assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assassinato criminoso”.
Belo
Horizonte, 20 de janeiro de 2015.
Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal e Doutor em Ciências Penais
* Publicado originalmente em Justificando.com/2015/01/23
* Publicado com autorização do autor.
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