O jogador de vôlei, ex-Minas, Maurício Souza foi dispensado pelo clube após comentário homofóbico em rede social. Alegou-se pressão dos patrocinadores, que vêm a ser Fiat e Gerdau.
Houve enorme repercussão na mídia, inclusive internacional.
Disse o jogador de vôlei Maurício Souza em sua “retratação” que não cometeu crime ao singelo argumento "porque a polícia não foi à sua casa prendê-lo".
A estas alturas após tudo publicado pela imprensa o jogador estará esclarecido sobre a configuração do tipo penal e a anterioridade da lei penal, ou seja, é crime tudo que a lei diz que é, ou em linguagem culta, não há crime sem lei anterior que o defina, ou Nullum crimen, nulla poena sine lege.
Esta frase é repetida nas aulas de direito penal no
início do curso de direito até que fique gravada para sempre, e deu certo,
pois, volta num átimo quando ouvimos a pergunta: é crime ou não?
A frase encerra o princípio da legalidade e consta expressamente da Constituição Federal no Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que inclui o Capítulo Dos Deveres Individuais e Coletivos, nele inserido o artigo 5º artigo que trata dos direitos e garantias fundamentais e seu incisoXXXIX:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)
XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
É possível que o jogador também tenha lido algo sobre os requisitos da prisão em flagrante e tenha concluído que não era o caso.
Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem:
I - está cometendo a infração penal;
II - acaba de cometê-la;
III - é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;
IV - é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941, Código de Processo Penal.
Se o jogador Maurício Souza teve tranquilidade (o que não se acredita), para
ler ou ouvir os vários canais do you tube que trataram do tema
à exaustão, terá sido informado que, apesar de não haver lei expressa (por
omissão do Congresso Nacional), o Supremo Tribunal Federal no ano passado na ADO
(Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão) 26-Distrito Federal,
acolheu a tese do relator Min. Celso de Melo para enquadrar, por meio
de interpretação analógica da Constituição, a prática de homofobia e transfobia
ao crime de racismo, que tem previsão legal. (ADO nº 26-DF, Julgamento: 13/06/2019, Publicação: 06/10/2020).
A ação foi proposta pelo Partido Popular Socialista conforme previsão constitucional, CF 103 VIII, contra o Congresso Nacional em dezembro de 2013.
O crime de racismo está previsto no artigo 5º, XLII da CF de 1988 e na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, e ainda, etnia, religião ou procedência nacional.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XLI
- a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades
fundamentais;
XLII - a prática do racismo constitui
crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da
lei;
Entenderá a demora ao saber que o acórdão tem 566 páginas, a ementa é extensa, vide a seguir. Só a inicial conta 98 páginas.
Na mídia o destaque foi dado ao voto do relator, sendo que a tese foi lançada na inicial. Não há menção ao advogado que elaborou a inicial. Para reparar esta omissão segue o trecho da petição que contém a tese e o nome do autor, reconhecida também a interpretação desenvolvida pelo relator para acolher este pedido:
a) seja reconhecido que a homofobia e a transfobia se enquadram no conceito ontológico-constitucional de racismo (STF, HC n.º 82.424/RS), de sorte a enquadrá-las na ordem constitucional de criminalizar o racismo constante do art. 5º, inc. XLII, da CF/88, já que elas inferiorizam pessoas LGBT relativamente a pessoas heterossexuais cisgêneras (que se identificam com o gênero socialmente atribuído a elas), ou, subsidiariamente, reconhecê-las como discriminações atentatórias a direitos e liberdades fundamentais, de sorte a enquadra-las na ordem constitucional de criminalizar constante do art. 5º, inc. XLI, da CF/88, especialmente porque a não-criminalização de tais condutas] caracteriza-se, no atual contexto social brasileiro, uma proteção deficiente do Estado Brasileiro que faticamente restringe tais direitos fundamentais da população LGBT, a caracterizar inconstitucionalidade por afronta ao princípio da proporcionalidade na acepção de proibição de proteção deficiente, por tais nefastas condutas se enquadrarem como condutas intolerantes que geram ofensas, agressões, discriminações, discursos de ódio, a conduta de “praticar, induzir e/ou incitar o preconceito e/ou à discriminação” por orientação sexual e/ou por identidade de gênero, real ou suposta, da vítima e/ou homicídios por conta de tais motivações homofóbicas/transfóbicas; (Vecchiatti, Paulo Roberto Iotti, OAB/SP n.º 242.668, petição inicial, pág. 94).
Várias questões jurídicas, constitucionais,
substantivas e processuais foram enfrentadas para consagrar a
tese em julgado, cuja redução pode ser alcançada no seguinte trecho da ementa:
PRÁTICAS HOMOFÓBICAS E TRANSFÓBICAS CONFIGURAM ATOS DELITUOSOS PASSÍVEIS DE REPRESSÃO PENAL, POR EFEITO DE MANDADOS CONSTITUCIONAIS DE CRIMINALIZAÇÃO (CF, ART. 5º, INCISOS XLI E XLII), POR TRADUZIREM EXPRESSÕES DE RACISMO EM SUA DIMENSÃO SOCIAL – Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989. |