quarta-feira, 6 de julho de 2016

Advogados falam

Hoje foi dia de advocacia vibrante. Depois de audiência acalorada na vara de família (por quais cargas d'água ainda há advogados no foro que tomam como suas as mágoas do cliente?). Senhoras, era o caso hoje, só havia advogadas, três. Estamos em pleno novo Código de Processo Civil, lembram? Composição do processo entre as partes, lealdade e boa-fé, etc.  Para que o tom de lamúria na inicial? Só fatos, ficava melhor. E sem os superlativos e o tom de vingança farejando no ar malícia onde efetivamente não havia. Segundo os autos, que fique claro.

Vai daí que, a uma ação corresponde uma reação em sentido contrário. Era para ser segundo as bases civilizadas do novo código mas transcorreu sem qualquer traço de commom law, caindo no puro estilo de pugilato verbal do nosso direito romano. Não se assimila princípios novos da noite para o dia. 

Como dizia Bob Jefferson, V. Exa. desperta em mim os mais primitivos instintos, ou algo assim. Para que vir à mesa de audiência em armas e açular o colega ex adverso? O resultado não é bom, tem reciprocidade, hora do juiz menear a cabeça como se estivesse lamentando ter que presenciar aquilo. É fato que anima sobremaneira as tardes burocráticas, pudera, é a vida privada e pulsante em juízo.

Logo em seguida, mais vida privada e pulsante em juízo lá nas varas da Fazenda na Praça da Liberdade. Depois de esperar uma hora de relógio (como diz o amável povo da Bahia), a jovem, bela e burocrata assessora despachar vinte processos com o juiz substituto, para ouvir um lacônico: não deferiu o sequestro, falta o CNPJ do Estado.

 - O quê?  - CNPJ, confirmou a moça.

Nesta hora sobe o sangue. Quero falar com o juiz. Dezoito horas, a noite caindo sobre Belo Horizonte. No dia 16 de junho protocolizei o pedido de sequestro de quantia contra o Estado por descumprimento de tutela antecipada de fornecimento de medicamento de preço altíssimo, em torno de R$ 16.000,00 para doença crônica grave. Com fotos coloridas do paciente, sem maiores detalhes. No dia 24 de junho consegui despachar com o Juiz titular que determinou não o sequestro mas a intimação do Estado para cumprir em 72 horas sob pena do sequestro. Mais uma semana entre publicação, intimação, decurso de prazo.

Veio o Estado mineiro se explicar, expedira um ofício para quem de direito informar o que estava acontecendo. E só. Sei. Novo despacho, juiz titular de férias, novo pedido de sequestro, mais orçamentos, mais pedido de urgência. Em duas semanas estive várias vezes na secretaria, com assessores, diligenciando, pedindo, é o que o advogado faz, pedir, pedir, pedir. 

O processo não anda, só cutucado, digo, diligenciado. O cliente sofre em casa esperando o remédio. Finalmente após pedido, os autos foram conclusos para o juiz substituto. Foi despachado? Não. Nova visita ao cartório, à assessora, que foi despachar vinte processos, inclusive aquele e volta-me depois de uma hora de chá de cadeira com a resposta burocrática: nada de mérito antes da formalidade imprescindível de informar o CNPJ do Estado por petição.

Além de pedir o advogado também fala. É nesta hora em que se sente a importância da profissão. Nada de se calar e curvar-se à burocracia vazia de sentido diante da dor humana. Cadê a Constituição?

Diante da minha insistência a leveza e o sorriso da assessora desapareceram, meio a contra-gosto desapareceu no gabinete e depois, séria, pediu que eu entrasse. O juiz estava visivelmente desconfortável em me receber. Apresentei-me, historiei o caso, desfilando as petições impressas diante dele, o processo é eletrônico, diga-se. Vim ponderar com V. Exa. que a providência do CNPJ é mera providência, que o escrivão consulta nos autos, ainda mais em tempos do Novo Código de Processo Civil. Não ia deixar passar. E o processo eficiente e eficaz? E as dores do cliente, há duas semanas esperando? O direito dele não pode depender da formalidade do CNPJ do Estado.

Numa vara que só julga processo contra e a favor do Estado, o CNPJ é por assim dizer, fato notório, me ocorreu agora.

Não ficou satisfeito, alegou que respeitava o rito adotado pelo titular que substituía, tinha que seguir o rito. Ajeitava a gravata.  - A senhora peticione, dra..  - Nestes termos?  - Não precisa isso tudo.

Falei mais, não vou me alongar e entrar em detalhes. Eu própria me emocionei. É preciso falar sim, mostrar à burocracia que o que está em questão é vivo, pulsante e dói. É disso que tratam.

Então, que se esmerem em dispensar a nós jurisdicionados justiça eficaz. Só isso.

O país está em convulsão, crise econômica nunca antes vista, prisões diárias televisionadas de altos empresários e políticos . Decisões judiciais determinando prisões e revogando estão on line para quem quiser ver. As vísceras do Estado brasileiro estão escancaradas em notícias ininterruptas desde o raiar do dia.

Nesse caldeirão que vivemos não se pode aceitar letra morta. Nem se calar.  Advogados pedem e falam.  Dão voz a quem não tem, são meio e a própria mensagem, às vezes.



Um comentário:

  1. Valéria você tem a minha solidariedade, e fique certa que a sua atitude está correta e é uma lástima que existem pessoas, que se dizem juízes, mas não se preocupam com a dignidade do seu semelhante.

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