No filme “Os Intocáveis” (1987) de Brian De Palma, na Chicago dos anos 30, o jovem agente
federal Eliot Ness (Kevin Costner) tenta acabar com o
reinado do gângster Al Capone (Robert De Niro) num
combate sem trégua ao crime. Para isso, Eliot Ness recruta e passa a comandar
um núcleo de corajosos e incorruptíveis homens e conta, ainda, com a ajuda do
experiente policial Jim Malone (Sean Connery).
No último dia 05 de abril o
jornal Folha de São Paulo, em sua primeira página, estampou uma, pelo menos
questionável, foto na qual 9 (nove) Procuradores da República, liderados pelo
procurador Deltan Dallagnol, que compõem a
força-tarefa da Operação Lava Jato, posavam como se fossem o grupo liderado por
Eliot Ness. No retrato exibido só não foram ostentadas as armas que ilustravam
a clássica fotografia dos Intocáveis.
É lamentável que membros do
Ministério Público Federal (MPF) ajam como se
justiceiros fossem. É no mínimo censurável a conduta daquele que ao invés de
zelar pela discrição na função de propor a ação penal, abalizados pelo devido
processo legal (penal), faz do exibicionismo e do sensacionalismo midiático
meio para se promover e buscar, fora dos autos do processo, adesão e aval daqueles
que tem sede de vingança e que desprezam as vias legais e o curso normal do
processo.
Rubens R R Casara e Antonio Pedro Melchior, salientam que: “A atuação do Ministério Público deve ser pautada pela razão, afastada, portanto, da ideia de
vingança privada. De igual sorte, a impessoalidade no atuar dá ares
democráticos à persecução penal. O risco, porém, é que a tentação populista que
acomete alguns órgãos de atuação do Ministério Público acabe por reintroduzir
na persecução penal atitudes e sentimentos próprios da antiga persecução
privada”.
De igual modo, o magistrado deve
procurar agir com serenidade, dentro dos limites do devido processo legal,
sobretudo, em respeito à pessoa do acusado que em hipótese alguma deve ser
tratado como meio ou instrumento na realização da justiça. No processo penal
constitucional e comprometido verdadeiramente com o Estado democrático de
direito a função primeira do juiz é a de assegurar os direitos e garantias do
acusado no processo. O exercício da magistratura é circunspecto. A difícil
tarefa de julgar é solitária. Não é sem razão que ao magistrado é vedado
manifestar-se sobre processo em curso submetido a seu julgamento ou de outro
juiz. É conhecido o aforismo de que “o juiz só deve falar nos autos”.
Contudo, alguns juízes, assim como Promotores de Justiça e Procuradores da República, não resistem ao chamamento dos holofotes da imprensa. Na maioria das vezes, de uma imprensa sensacionalista e parcial. De uma imprensa que não tem compromisso com os princípios do Estado democrático de direito: devido processo legal, contraditório, ampla defesa e a presunção de inocência. Este último, alias, é o princípio que mais sofre com os abusos cometidos pela imprensa e por todos que imolam a Constituição da República em nome do poder punitivo estatal.
Determinados juízes agem como se
fossem imunes às circunstâncias e imperfeições humanas. Certos magistrados
acreditam, sinceramente, estarem investidos do poder divino. Há, ainda, aqueles
que acreditam serem semideuses, se colocam num pedestal e se afastam cada vez
mais do mundo terráqueo e dos homens. Não se pode olvidar como asseverou o
jurista italiano Piero Calamandrei, que “os juízes também são homens”. Luigi Ferrajoli é preciso ao dizer que “o juiz não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem
os fatos e por baixo se retiram as sentenças, ainda que com ajuda de um
empurrão, quando os fatos não se adaptem perfeitamente a ela”.
Arriscando a responder “como pode fazer o juiz ser melhor daquilo que é?” Francesco Carnelutti proclama: “A única via que lhe é aberta a tal fim é aquela de sentir a sua
miséria: precisa sentir-se pequeno para ser grande. Precisa forjar-se uma alma
de criança para poder entrar no reino dos céus. Precisa a cada dia mais
recuperar o dom da maravilha. Precisa, cada manhã, assistir com a mais profunda
emoção ao surgir do sol e, cada tarde, ao seu ocaso. Precisa, cada noite,
sentir-se humilhado ante a infinita beleza do céu estrelado. Precisa permanecer
atônito ao perfume de um jasmim ou ao canto de um rouxinol. Precisa cair de
joelhos frente a cada manifestação desse indecifrável prodígio, que é a vida”.
Não resta dúvida que a mídia e a sociedade contribuem, sobremaneira, para o enaltecimento e glamourização das atividades do Ministério Público e da magistratura. Com o seu poder de sedução e utilizando-se da vaidade humana, a mídia transforma agentes públicos em heróis nacionais condecorando-os e premiando-os quando estes estão a serviço de seus interesses e do poder punitivo estatal.
Não resta dúvida que a mídia e a sociedade contribuem, sobremaneira, para o enaltecimento e glamourização das atividades do Ministério Público e da magistratura. Com o seu poder de sedução e utilizando-se da vaidade humana, a mídia transforma agentes públicos em heróis nacionais condecorando-os e premiando-os quando estes estão a serviço de seus interesses e do poder punitivo estatal.
Por tudo, é preciso ter em mente que intocáveis são os princípios
fundamentais que norteiam o Estado democrático de direito. Intocáveis são as
garantias constitucionais. Intocável é a democracia. Intocável é à dignidade da
pessoa humana e não aqueles que utilizam o poder e a força para punir.
Leonardo Isaac Yarochewsky é advogado criminalista e professor de Direito Penal da PUC-Minas
Artigo publicado originalmente em Justificando.com, 10/4/15
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