segunda-feira, 6 de abril de 2015

Arquivamento de inquérito em caso de competência originária de tribunal para a ação penal. Jurisprudência equivocada do STF*.


José Barcelos de Souza    










                                                                        
Professor titular aposentado da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais. Livre-docente pela UFMG. Ex-Promotor de Justiça em Minas Gerais. Subprocurador-geral da República aposentado. Membro do Conselho Superior do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.


                                                                                  
      A desatenção à circunstância de que um determinado vocábulo pode ter mais de uma acepção, principalmente quando uma delas é mais frequentemente usada em um certo sentido, mais ainda se técnica a significação, pode levar a sérios equívocos.
      Veja-se o vocábuloarquivamento. No direito processual penal, além do sentido comum de colocar em arquivo (na expressão, por exemplo, “proceda-se ao arquivamento dos autos”), ou isso juntamente com a ideia correlata de encerrar um caso ou uma questão (assim, quando o art. 522 do CPP diz que, reconciliando-se as partes, serão os autos arquivados), tem ele um significado técnico, de mais uso, que é o ato de abster-se o Ministério Público de oferecer denúncia, como na expressão  “requerer o arquivamento do inquérito”.
      Por isso mesmo, dei a denominação “Do Arquivamento” a antiga tese de livre-docência, na certeza de que, como a matéria dizia respeito à ciência do Direito, e o ramo deste era o processual penal, seria aquela reduzida expressão o suficiente para o título, conforme havia aprendido no interessante livrinho “Thesis writing”, de bom autor americano. Tanto que me deparei depois com opúsculo, de igualmente bom autor italiano, denominado simplesmenteL’Archivazione”, no qual fiquei sabendo que havia um sistema de arquivamento completamente diferente do nosso.
       Mas um educador estrangeiro, a quem ofertei um exemplar do trabalho, observou-me que sua secretária estava tendo dificuldade para cadastrar a obra... Quer dizer, o título padecia de insuficiência. Ainda bem que no início do pequeno livro cuidei de apontar alguns dos significados especiais do vocábulo em outros ramos do direito.
Quando se fala em arquivar está sempre presente, como não poderia deixar de ser, a ideia de guardar em arquivo, isto é, de conservar, de guardar em cartório, o que ocorre em geral em consequência do encerramento do procedimento criminal.
Tal colocação em arquivo, mediante despacho do juiz, pode ser mera consequência do encerramento do processo, sem mais de que cuidar.
Tão ligado à extinção, ou ao trancamento do procedimento está o ato de arquivar, ou guardar em arquivo, que a lei em determinado caso fala em arquivar justamente no mais abrangente sentido de declarar extinto o processo com a consequente determinação de colocar os autos no arquivo, ou seja, na prateleira do cartório, gaveta, ou no lugar de se guardarem autos findos.
Vê-se bem isso da redação do citado art. 522 do CPP, verbis:
“No caso de reconciliação, depois de assinado pelo querelante o termo de desistência, a queixa será arquivada”.
casos, porém, em que o vocábulo é empregado para, ao mesmo tempo em que guarda fortemente o sentido geral de colocar em arquivo por motivo de extinção, salienta a origem desse ato.
Assim é que, ao dizer o art. 17 do CPP que a autoridade policial não pode mandar arquivar autos de inquérito, está querendo proibir que o delegado de polícia proceda ao engavetamento, isto é, está dizendo que não pode ele extinguir, dar fim, tornar sem proveito para seus fins legais o inquérito policial. Numa palavra, proíbe-se o arquivamento ilegal, visto que a providência se pode dar por despacho judicial, nos termos do art. 28 do Código de Processo,  a requerimento do Ministério Público.
Este é o mais importante e frequente perfil do arquivamento.
É, de fato, a mais corrente e significativa acepção do vocábulo. Consiste na abstenção de denunciar de parte do Ministério Público, ou seja, de não promover o Ministério Público a ação penal, o que importa definição provisória do procedimento criminal, favorável ao indiciado.
Como se , trata-se de denominação de medida que se adota antes de propositura de ação penal, com o fim, aliás, de frustrá-la.
Disso resulta a impossibilidade de seu cabimento depois de proposta a ação penal, a não ser que a lei tivesse permitido a retratação.
Embora depois de oferecida e recebida a denúncia não haja lugar para o arquivamento naquela significação do vocábulo, este foi usado pelo legislador com outra e especial conotação, para indicar, no curso do processo criminal, solução extintiva antecipada do processo em alguns e especiais procedimentos.
É o que ocorria e ainda acontece no procedimento especial dos crimes de funcionários públicos nos processos de competência do juiz singular.
Um outro caso – e é este o que tem a ver com o presente estudo – diz  respeito ao arquivamento nos processos-crime de competência originária de tribunais.
Em verdade, o Código era omisso quanto à matéria, ou seja, quanto a pedido formulado pelo Procurador-Geral para arquivamento da notitia criminis.
Dispunha, porém, o revogado art. 559 do Código de Processo Penal queSe a resposta ou defesa prévia do acusado convencer da improcedência da acusação, o relator proporá ao Tribunal o arquivamento do processo”.
      É que residia o perigo de uma confusão danada, que depois de oferecida e recebida a denúncia não haveria lugar para o arquivamento requerido pelo Ministério Público.
         Certamente por isso, surgiu a respeito do arquivamento nos tribunais um entendimento inaceitável, por sinal de um de nossos mais autorizados juristas, um grande mestre em diversos ramos do Direito, o preclaro Prof. José Frederico Marques, diante de uma leitura enganosa do artigo citado, certo que bem observara ele, a outro propósito, que no sistema acusatório actio e jurisdictio traduzem atividades que se não confundem[1].
Assim é que indagava o Prof. José Frederico Marques:      
A quem cabe decidir sobre o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral em casos de competência originária de Tribunal para o processo? Será ao relator ou ao Tribunal?
E respondia: 
Sem dúvida que o Tribunal, uma vez que o relator pode propor que se arquive o processo e, nunca, determinar ele próprio o arquivamento, conforme se deduz do art. 559 do Código de Processo Penal[2].
Em verdade, o dispositivo legal em que se buscou arrimo para uma resposta nada tem a ver com o caso
Aqui está: passou despercebido que o dispositivo legal não se referia a pedido de arquivamento feito pelo Procurador-Geral, mas a proposta do relator – evidentemente oferecida a denúncia – de um como que julgamento antecipado da lide (pelo Tribunal, claro), no sentido da improcedência da acusação. A isso chamou o Código também de ­– arquivamento.
Mas o problema mais importante não estaria em saber quem determinaria o arquivamento – se o relator ou o Tribunal –, visto que no caso não caberia propriamente decisão alguma, como a indagação do professor fazia supor, mas um simples despacho, ordenando o arquivamento requerido.
O invocado e hoje revogado art. 559 do Código de Processo Penal cuidava de outra coisa: da deliberação, de competência do Tribunal, sobre um julgamento antecipado, o que, alias, pressupunha não ter havido pedido de arquivamento pelo Procurador-Geral, mas, sim, denúncia oferecida.
no caso de pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral, de modo algum seria aceitável seu desacolhimento. De outro modo, ocorreria violação do princípio acusatório, do princípio da inércia da jurisdição, da regra da titularidade da ação penal, e da máxima da independência do Ministério Público.
Por isso mesmo, igualmente inaceitável é o seguinte esclarecimento que fez o extraordinário autor em outra passagem, ao aduzir que, indeferido pelo Tribunal o pedido de arquivamento formulado pelo Procurador-Geral, ou este oferece denúncia, ou atribui essa função a seu substituto legal, ou então será nomeado procurador ad hoc para aquele fim, aplicando-se, in casu, por analogia, o que dispõe o art. 419 do Código de Processo Penal[3].
Com efeito, não estabeleceu o Código uma forma de controle da resolução de não denunciar, nos casos de competência originária dos tribunais.
Prevalecem, nestas condições, no que forem aplicáveis, as regras gerais. Dentre elas, a de ter sido reservado ao procurador o poder de decisão sobre o arquivamento da notitia criminis, de acordo com o art. 28 do CPP, no caso de discordar o juiz do pedido de arquivamento formulado pelo promotor de Justiça ou procurador da República, no primeiro grau jurisdicional. E o faz submetendo à apreciação deste o pedido de arquivamento de que ele, juiz, discorde, sendo o controle, desse modo, interno.
O critério tem a virtude de não desrespeitar o nemo judex sine auctore, nem frontal nem indiretamente, pois que, como argutamente observa o Prof. Hélio Tornaghi, “se o juiz pudesse compelir o Ministério Público a agir, estaria, por via oblíqua, violando o princípio ne procedat judex ex officio”[4], o que, ademais, “constituiria abalo dos mais graves à independência do Ministério Público”, conforme palavras de Espínola Filho[5].
As considerações acima, no sentido de que o art. 28 do Código de Processo de modo algum estabeleceu um controle jurisdicional da abstenção do Ministério de denunciar, a atingir, como atingiria, o sistema acusatório, foram por mim feitas tempos atrás, em tese de livre-docência[6], e agora as reitero.[7]
 Nem seria de dispor a lei de outra maneira quanto ao arquivamento nos tribunais, que não haveria, ao contrário do que ocorre na primeira instância, a quem, na hierarquia funcional, ficar sujeito o controle da resolução daquela alta autoridade.
Por outro lado, deferir ao tribunal um controle que a lei não lhe atribui seria violar a regra da separação entre acusação e jurisdição, declaradamente acolhida pelo Código.
Não cabendo, por não ser admissível, qualquer controle jurisdicional, mas tão-somente, e quando possível, a ação privada subsidiária[8], ounada o impede – pedido de reconsideração do ofendido ou interessado ao procurador, não seria de cogitar-se, em último recurso, de nomeação de procurador ad hoc (figura, aliás, não mais existente), para forçar o cumprimento de uma incabível e impertinente decisão do tribunal.
Não há, pois, margem para manifestação do tribunal competente para o processo no sentido do oferecimento de denúncia, cabendo-lhe tão somente determinar o arquivamento.
o antigo Tribunal de Justiça da Guanabara, em sessão plena, em 21 de janeiro de 1958, sufragou, no julgamento da Representação n. 6, o entendimento de que, ao invés de pedir o arquivamento ao Tribunal de Justiça, quando entender não ser cabível a promoção da ação penal pública, nos crimes de competência originária do mesmo Tribunal de Justiça, compete ao próprio procurador arquivar o processo[9].
Com essa mesma orientação, acolheu o então presidente do mesmo Tribunal, Des. Homero de Pinho, requerimento do Procurador-Geral Cândido de Oliveira Neto, na Representação n. 13/59, no sentido de, dada baixa no processo, lhe serem encaminhados os autos, para o fim de poder o procurador determinar seu arquivamento[10].
Exatos se afiguram os entendimentos citados ao deferirem ao procurador o exame da pertinência da ação penal e subtraírem ao tribunal qualquer decisão sobre o meritum de sua resolução de não denunciar, a despeito da competência do Tribunal para o processo e julgamento, visto que isso pressupõe prévia peça acusatória do órgão próprio.
Evidentemente, sendo o Ministério Público o órgão que exerce no processo o jus accusationis não seria possível arquivar-se logo qualquer informatio delicti sem sua prévia manifestação.
Como o arquivamento deve fazer-se em cartório do Tribunal, e não em repartição da Procuradoria, tudo se resolve com a aplicação extensiva, inarredável no caso, do art. 28, nos termos do art. 3°, ambos do Código de Processo. Assim, caberá sem dúvida alguma o requerimento de arquivamento, a ser despachado não pelo tribunal, que não terá o que decidir, mas, como veio a dispor a Lei n. 8.038, de 1990, pelo relator sorteado (opinávamos pelo despacho do presidente em nosso citado Do Arquivamento, anterior à mencionada Lei 8.038), a quem incumbirá ordenar, sem alternativa, o arquivamento, em despacho de natureza meramente administrativa, conseqüente da resolução do Ministério Público de não denunciar, comunicada através do pedido de arquivamento.
Mesmo que se trate de notitia criminis enviada diretamente ao procurador, sua resolução de não proceder deverá ser comunicada ao Tribunal com o pedido de arquivamento, afim de que aquele determine ao escrivão do Tribunal que mantenha os autos em arquivo. Desta maneira, e sem falar em questão de transparência, estabelecer-se-á o termo a quo do prazo para a ação penal privada subsidiária, se o caso a comportar[11].
Se a lição do eminente jurista de início citado estaria equivocada para a época em que saiu sua excelente obra, hoje a solução ainda seria outra, ante a Lei 8.038/90, que agora dispõe claramente, no art. 3º, inc. I, que compete ao relator:
Determinar o arquivamento do inquérito ou de peças informativas, quando o requerer o Ministério Público, ou submeter o requerimento à decisão de tribunal competente”.
      Essa Lei 8.038/90 dispõe sobre o procedimento da ação penal no Supremo Tribunal Federal, podendo haver complementação regimental.

2.  Também nos Tribunais de Justiça e nos Tribunais Regionais Federais aplica-se a citada Lei 8.038, de 28 maio de 1990, sobre ações penais originárias, por força da Lei n. 8.658, de 26 de maio de 1993.
Diante disso, não têm aplicação disposições em contrário de leis de organizações judiciárias.
Nada impede, por outro lado, que vítimas peçam, sem prejuízo de uma possível ação penal supletiva, ao próprio Procurador-Geral, a reconsideração de um pedido de arquivamento.

3. Objetar-se-ia que a citada Lei 8.038, logo após dizer que compete ao relatordeterminar o arquivamento do inquérito ou de peças informativas, quando o requerer o Ministério Público”, acrescenta:ou submeter o requerimento à decisão competente do Tribunal”.
Urge se esclareça a questão de possível requerimento que poderá o relator submeterà decisão competente do Tribunal”.
Não se pense que se trata de submeter o pedido de arquivamento em si ao tribunal, como poderia parecer, uma vez que o deferimento de semelhante requerimento cabe o relator. Isso não se faz, pois, à discrição do relator, mas quando for caso, por finalidade outra. O texto legal, aliás, é claro ao falar em decisão “competente” do tribunal, vale dizer, decisão que for da competência deste, e esse obviamente não é o caso, que poderá, entretanto, ocorrer. E já que se falou em “competência”, vem à lembrança um bom exemplo, dentre os raros que possam ser encontrados para a hipótese de submissão do requerimento ao tribunal: o entendimento do relator de não se tratar de espécie da competência daquele tribunal.
De ordinário, porém, esse outro requerimento não será um pedido do Ministério Público no sentido do arquivamento, ou seja, um ato significativo de abstenção de denunciar.  O vocábulo designa, ali, coisa diferente, ou seja, o requerimento alternativo que seria de ser feito se o Ministério Público, ao invés de manifestar-se pelo arquivamento, promovesse a ação penal: o pedido de dia, como determina o art. 6º da lei citada, para que o Tribunal delibere sobre o recebimento da denuncia, decisão, agora, de sua competência.
Dir-se-á, porém, tomando-se o preceito legal ao da letra, que deve haver algum caso em que é o próprio pedido de arquivamento que poderá escapar à apreciação do relator.
Semelhante entendimento, posto equivocado, até que seria possível, certo que o legislador também claudica. É que, no caso, seu pensamento poderia estar influenciado por uma certa doutrina vitanda, que, de fato, existiu.
Cabe aqui, a esse respeito, rememorar algumas considerações feitas tempos atrás.[12]
Tinham a ver com a aplicação do revogado art. 43, inc. II do CPP, que mandava fosse rejeitada a denúncia quando estiver extinta a punibilidade, pela prescrição ou outra causa”.
Evidentemente, se a denúncia é inviável, exatamente por não haver crime a punír, não deve ser oferecida. Caso, pois, de pedido de arquivamento.

Contudo, alguns autores entenderam que, se tiver ocorrido a extinção da punibilidade, o que cumpre ao promotor fazer não é pedir o arquivamento, e sim que o juiz declare extinto o jus puniendi[13]. E, indeferido o pedido, não restaria ao Ministério Público (a quem cabe recurso, nos termos do art. 581, IX) outra alternativa que a de denunciar, sustentava o Prof. José Frederico Marques. “Não cabe, como erroneamente se pronunciou o Tribunal de Justiça de São Paulo, a remessa dos autos ao procurador[14], observou.
Sem embargo das autorizadas opiniões em contrário, o que cumpre ao Ministério Público fazer é pedir o arquivamento e, se discordar, o juiz deve proceder de acordo com o art. 28. Nos tribunais, porém, nãomargem para tanto.
O Código separou acusação de jurisdição, cabendo ao Ministério Público a resolução de denunciar ou não. É, este, um princípio geral, e por isso mesmo por expressa disposição legal poderá ser excetuado. Se o promotor oferecer a denúncia, poderá o juiz rejeitá-la, julgando extinta a punibilidade (como preceituava o antigo art. 43).
Mas se não houve denúncia, nãocomo julgar extinta a punibilidade. E se o promotor entende não ser caso de promover a ação, não precisa pedir ao juiz que o declare por sentença. Bastar-lhe-á pedir o arquivamento.
Verdade que a lei prevê julgamento da extinção da punibilidade. Mas é evidente que assim o faz para possibilitar se ponha um paradeiro ao processo quando em seu curso se verificar a extinção do direito de punir (CPP, art. 61), extinção que, impedindo a ação, deve impedir também seu prosseguimento.
      Pode acontecer, assim, que o relator entenda erroneamente que, se o pedido de arquivamento se prende ao fato de estar extinta a punibilidade, caberia uma decisão do Tribunal.
      Se o Tribunal acolher a remessa, apenas aumentará sua carga de trabalho.

4.  Ocorre, entretanto, que o Supremo Tribunal passou a julgar que, nesse caso de extinção da punibilidade, e também no caso de pedido de arquivamento por motivo de atipicidade da conduta, a competência não é do relator, mas do próprio tribunal, que poderia recusar o pedido de arquivamento!
Para chegar a uma conclusão dessa, incabível e inaceitável, o colendo Tribunal raciocinou que, de outro modo, ficaria obstaculizada a promoção de posterior ação penal, mesmo se houver novas provas, em razão de uma suposta formação de coisa julgada, sendo essa sua orientação atual e predominante. Dentre um ror de acórdãos nesse sentido, o assim ementado:

      Inquérito Policial. Arquivamento. Requerimento do Procurador-Geral da República. Pedido fundado na alegação de atipicidade dos fatos. Formação de coisa julgada material. Não atendimento compulsório. Necessidade de apreciação e decisão pelo órgão jurisdicional competente. Inquérito arquivado. Precedentes. O pedido de arquivamento de inquérito policial, quando não se baseia  em falta de elementos suficientes para oferecimento de denúncia, mas na alegação de atipicidade do fatoou de extinção de punibilidade, não é de atendimento compulsório, senão que deve ser objeto de decisão do órgão judicial competente, dada a possibilidade de formação de coisa julgada material (Pet. 3743 / MG – Dje-092 DIVULG 21-05-2008 – PUBLIC 23-05-2008 – Rel. Min. Cezar Peluso).

Ora, em primeiro lugar, se nãoacusação formalizada, não haveria o que decidir por órgãos judiciários, de modo a fazer coisa julgada. O que haveria, no caso, seriam manifestações impertinentes.
Isso causa um grande mal ao interesse social de que os crimes sejam punidos, por prejudicar a utilização de novas provas ou, mesmo sem elas, uma posterior reavaliação do caso pelo próprio Ministério Público. E não está de acordo com a orientação de nosso Direito, que separa jurisdição de acusação.
O art. 18 do Código de Processo, por exemplo, permite o desarquivamento pela própria autoridade policial diante de notícia de novas provas. E é exatamente em virtude da possibilidade de novas provas que a própria decisão de impronúncia do réu não faz coisa julgada. A jurisprudência do colendo Tribunal está errada.
Em suma: Nos casos de competência originária de Tribunal para o processo e julgamento de ação penal, ultrapassada uma possível fase investigatória inicial, devidamente autorizada quando for caso disso ratione personnae, o Ministério Público, com vista dos autos, não requerendo diligência que deva ser realizada antes da propositura da ação, deverá requerer o arquivamento do inquérito ou oferecer denúncia. No primeiro caso, o relator – de quem é hoje a competêncianão poderá recusar o pedido, como também não poderia fazê-lo o presidente do Tribunal ou este próprio. Se oferecida denúncia pelo Procurador-Geral, caberá ao Tribunal decidir quanto a seu recebimento.



* Este trabalho foi escrito especialmente para a 6ª edição, v. 2, da obra coletiva Temas atuais do Ministério Público, organizada por Cristiano Chaves de Farias, Leonardo Barreto Moreira Alves e Nelson Rosenvald, a sair pela Editora Juspodivm.



[1]   O júri no direito brasileiro, São Paulo, 1955, p. 325.
[2]   Elementos de direito processual penal. Rio, 1962, v. 3, p. 308.
[3]   Idem, ibidem, v. l, p. 341.
[4]   Hélio Bastos Tornaghi, Comentários  cit., Rio, 1956, v. 1, t. 2, p. 54.
[5]   Eduardo Espínola Filho, op. cit., p. 361.
[6]   Cf. Souza, José Barcelos de. Do Arquivamento, Imprensa Oficial, Belo Horizonte, 1969, p.25-42, e Teoria e Prática da Ação Pena, Saraiva, São Paulo, 1980. 
[7]   Sobre a matéria veja-se também o artigo “Reflexos do sistema inquisitivo em regras processuais ligadas ao Ministério Público (Variações em torno do art. 28 do CPP)”,  in Temas atuais do Ministério Público, 3ª edição,  2012,  p. 721.
[8]    Quanto à questão do cabimento da ação penal privada subsidiária em caso de arquivamento do inquérito policial ou outras peças de informações, veja-se, de minha autoria, o artigo Ação penal privada subsidiária (Código Penal, art. 103, § 3º): Fator democrático de prevenção da impunidade, especialmente em caso de arquivamento ou outra peça de informação, na obra coletiva Parte Geral do Código Penal Brasileiro, 30 anos depois, D’Placido Editora, Belo Horizonte, 2014, p. 41. Org. Luciano Santos Lopes, Guilherme José Ferreira da Silva e Luis Augusto Sanzo Brodt.
[9]    Acórdão no DJ de 5 mar. 1959, apenso, p. 1000.
[10]  DJ de 5 dez. 1959, p. 16526.
[11]  Quanto à questão do cabimento da ação penal privada subsidiária em caso de arquivamento do inquérito policial ou outras peças de informações, veja-se meu artigo Ação penal privada subsidiária (Código Penal, art. 103, § 3º): Fator democrático de prevenção da impunidade, especialmente em caso de arquivamento ou outra peça de informação, na obra coletiva Parte Geral do Código Penal Brasileiro, 30 anos depois, D’Placido Editora, Belo Horizonte, 2014, p. 41. Org. Luciano Santos Lopes, Guilherme José Ferreira da Silva e Luis Augusto Sanzo Brodt.
[12]  José Barcelos de Souza. Teoria e Prática da Ação Penal, Saraiva, São Paulo, 1979, n. 116, p.214-224.
[13]  Cf. José Frederico Marques, Elementos, cit. v. 2, p. 170; José Pinto Rennó, O Ministério Público em face do art. 28 do Código de Processo Penal, Revista de Identificação e Ciências Conexas. Belo Horizonte, v. 23, 1956.
[14]  Ibidem.




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