As sentenças ditas literárias estão em alta. Parece que o povo gosta, acha mesmo lindo.
Destoando, adianto-me embora
ninguém tenha perguntado: contra.
No mês passado circulou nas redes
sentença de juiz do DF declarando indigno o pai à herança deixada pela filha
deficiente.
Este escrito não trata do cabimento
ou não de interpretação extensiva ao artigo 1.814 do Código Civil, que determina
os excluídos da sucessão.
Diz a doutrina que não cabe, que a
enumeração das hipóteses nos três incisos é taxativa, com exceção de dois
doutrinadores bem modernos citados pela sentença.
Além do que, conforme também
mencionou a sentença, o STJ já decidiu que “apesar
de o instituto da indignidade, não comportar interpretação extensiva, o
desamparo à pessoa alienada mentalmente ou com grave enfermidade comprovados
redunda em atentado à vida a evidenciar flagrante indignidade, o que leva à
exclusão da sucessão testamentária” (STJ, Ac. 4ª Turma,
REsp. 334.773/RJ, Rel. Min. César Asfor Rocha, j. 21/05/2002).
Como se sabe, Roma locuta
causa finita.
A sentença ficou famosa não pela
questão de direito, mas pelas citações literárias, discutíveis, simplesmente
pelo fato da inadequação do lugar.
Sentença deve ter relatório,
fundamentação (de direito), e julgamento. O mais, é desnecessário, e justamente
por isso não deve constar de uma decisão.
Por quê? Por quê? - indagarão os adeptos
de decisões melodramáticas.
Responde-se: em primeiro lugar porque é desnecessário. Ponto.
Segundo, porque desvirtua, chama o foco para a pessoa do juiz e seus interesses literários. Tudo tem hora e lugar, as revistas literárias das associações da classe dos juízes estão aí para isso mesmo, divulgar os pendores literários da classe, e como os há, diga-se.
O juiz não está no processo como a
pessoa física de fulano de tal num convescote a declamar poemas, está no processo como o
Estado. O Estado não declama poemas ou deita erudição.
Terceiro motivo: soa patético
justamente pela inadequação, não casa, não orna, está sobrando; logo, alija-se.
A certa altura diz o vate-juiz: “certamente,
o mesmo poeta Drummond diria ao réu: Sr. José de Alencar (...), a luz apagou!”
O poeta, cá para nós, certamente
nada diria ao réu na sua humildade dos grandes. Nada diria ao réu.
Há mais pontas sobrando na decisão: o
subjetivismo do julgador. Há nesta sentença reflexões sobre a vida, sobre o
papel do pai; sobre a falta do pai; e não só, também dá conselhos ao réu, na
verdade são exortações terminadas em exclamações.
Reflexão: exclamações, coisa
abominável em petição, em sentença, em qualquer peça processual...
Assim, também, já é demais. Além
de perder levou um carão, aliás, foi repreendido severamente.
Não cabe julgamento moral na
sentença. Apenas o direito.
Processo 0716392-43.2021.8.07.0009
Nota: apesar do processo tratar-se de procedimento
comum cível, classificado como público o acesso, o sistema de pesquisa do TJDF
não retorna resultados; mas os três maiores veículos de notícias jurídicas têm o
inteiro teor da sentença nas suas publicações gravada com os respectivos
endereços eletrônicos dos sites.
No mesmo mês um juiz eleitoral baiano sobrepujou o fã de Drummond atacando de cordel. Nada como uma sentença em versos rimados. O TRE da Bahia divulgou o feito.
Sem esquecer o autointitulado poeta-juiz
de Quixadá...
Sem mais.
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