sexta-feira, 8 de novembro de 2019

As glórias e tragédias de um Homem


FRANCISCO MENDES PIMENTEL: As glórias e tragédias de um Homem.



Magnífica Reitora, Professora Sandra Goulart de Almeida.
Senhores reitores e reitoras de nossa Universidade;
Senhoras diretoras e diretores das Unidades de nossa Universidade;
Senhoras professoras e professores;
Dignas servidoras e servidores;
Caras e caros estudantes
Senhoras e senhores.



Segundo o poeta e filosofo Ralph Emerson: “TODA INSTITUIÇÃO É A SOMBRA PROLONGADA DE UM HOMEM”. É o que ocorre com nossa Universidade em relação a Francisco Mendes Pimentel.


50 anos atrás, o Professor Raul Machado Horta, na inauguração do retrato do primeiro reitor, declarou que “recordar Mendes Pimentel é recordar a Universidade; que comemorar a Universidade é, ao mesmo tempo, comemorar Mendes Pimentel”. É o que fazemos nesta noite.

Nosso primeiro reitor merece uma biografia, poderia ficar muito tempo falando de sua pessoa e de sua obra.  Entretanto, preferi me ater a algumas passagens de sua vida, especialmente àquelas que demonstram a influência que exerceu na criação de nossa Universidade e o legado que nos deixou.

É preciso registrar de pronto que poucos receberam tantas honrarias e ao mesmo tempo sofreram tantas tragédias pessoais como ele.

Francisco Mendes Pimentel nasceu no Rio de Janeiro em 1869, portanto, há 150 anos. Ainda criança veio para Minas Gerais, para Pitangui, onde seu pai foi ser juiz de Direito.

Estudou em Barbacena e Ouro Preto e se formou em Direito, em 1889, em São Paulo, três anos antes da criação do curso de Direito em Minas.

Como muitos estudantes de seu tempo, morou em pensões e repúblicas. A respeito dessa fase de sua vida em São Paulo, narra Afonso Arinos, valendo-se do depoimento de Sampaio Vidal:

“Pimentel, era indisciplinado e folgazão. Nada prenunciava naquele estudante despreocupado e rebelde o grande jurista, o incansável homem de estudo que veio a ser. Tinha o hábito de trafegar pela casa em roupas menores, com o risco de alvoroçar pudores de vizinhas novidadeiras; entrava regularmente no quarto saltando pela janela, por invencível, confessa, inexplicável antipatia pela porta, e recusava os conselhos maternos no sentido e ir habitar na Casa Petrópolis em companhia de Edmundo Veiga, a fim de seguir o exemplo deste estudante modelar”.
Após sua formatura, voltou para Minas, sendo nomeado promotor de Justiça para a cidade de Queluz, atual Conselheiro Lafaiete.

Em 1890, foi professor de História no Ginásio Mineiro e de Pedagogia na Escola Normal de Barbacena.

Em 1890, casou-se com Aurea Valle, uma moça que trabalhava numa fábrica de cigarros em Juiz de Fora. Viveram juntos por 63 anos e tiveram 12 filhos.

Em 1894 foi eleito Deputado Estadual e, em 1896, eleito deputado federal. Como parlamentar, sempre foi ligado a temas da educação, sendo, inclusive, o relator da Comissão de Instrução Pública.

Em 1897, rebelou-se contra o “enfeudamento” e a falta de discussões de seu partido (PRM). Com menos de um ano de mandato renunciou ao cargo de deputado federal. No dizer de Gustavo Capanema: “as injunções partidárias eram de todo incompatíveis com a natureza independente de seu espirito”.

Em 1898, veio morar na nova capital do Estado, onde instalou um dos primeiros escritórios de advocacia. Aqui viveu até 1930.

No ano seguinte, ingressou na Faculdade Livre de Direito, também recém-instalada nesta cidade, com a tese “Dos crimes de imprensa”.

Foram inúmeras as atividades desempenhadas por ele no período que aqui residiu. Vejamos algumas sem a pretensão de mencionar todas:

Fundou o jornal Diário de Minas, a Revista Forense (1904); ajudou a criar o Instituto João Pinheiro (1909) destinado a preparar menores para o trabalho; eleito para uma Cadeira na Academia de Letras (1909) recusou com o argumento de não ser escritor; foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (1911); dirigiu a Cia. de Viação Urbana e o Banco Hipotecário de Minas Gerais (1911), que ajudou a fundar com Estevão Pinto e Juscelino Barbosa.

Em 1912, quando dirigia a Faculdade de Direito, criou com seu próprio dinheiro, a Fundação Afonso Pena, destinada a auxiliar estudantes carentes de recursos, os quais recebiam os denominados “empréstimos de honra”, de cuja escolha participavam professores e estudantes que se comprometiam “sob a palavra de honra a não revelar a aplicação do fundo beneficente”. Depois de formados, os ex-alunos restituíam os empréstimos. Vale registrar que foi essa a primeira participação de estudantes em órgãos colegiados em cursos superiores.

Para a criação dessa fundação, foi feita uma doação de um conto de reis, além de doações mensais, como dito os valores eram provenientes do próprio diretor. Consta na ata da Congregação da Faculdade: “A Fundação Afonso Pena vem preencher sensível vácuo no meio acadêmico, pois que muitos moços inteligentes abandonam os seus estudos por falta de recursos”. Aí está a semente da nossa FUMP.

Da mesma maneira, no mesmo ano (1912), Mendes Pimentel criou a Assistência Judiciária Mendes Pimentel, formada por alunos e professores. Destinava-se a prestar assistência a pessoas carentes de recursos. Eis outra semente, que deu origem à Divisão de Assistência Judiciária (DAJ), um dos mais importantes órgãos de Extensão de nossa Universidade. 

É quase impossível conseguir demonstrar o que Mendes Pimentel representou no seu tempo e a influência de seu legado. Permitam que tome emprestado o testemunho de nosso principal memorialista, Pedro Nava, ao recordar a criação do Colégio Anglo-Mineiro liderado por nosso homenageado, onde hoje está instalado o Corpo de Bombeiros na Rua Ceará com Av. Afonso Pena:

“Bueno Brandão, Delfim Moreira, Francisco Sales, Artur Bernardes, Afonso Pena Jr., Edmundo Lins, Estevão Pinto eram os planetas desse sistema em torno dos quais gravitavam os satélites Carvalho Brito, Nelson de Sena, Carneiro Resende [...]; professores como Hugo Werneck e Marques Lisboa; altos funcionários como Carlos Prates e Leon Roussoulieres; homens de dinheiro [...]; políticos amigos do interior como Antônio Salvo, pessoas gradas da sociedade – cita vários nomes -. Toda essa cúpula da tradicional família mineira girava em torno do astrossol Francisco Mendes Pimentel. Não pleiteando favores, não pedindo nada, recusando tudo, esnobando a política, renunciando a mandatos, dando a César o que é de César, dizendo suas verdades na cara do presidente do estado como na de qualquer tipo na rua – Mendes Pimentel inspirava verdadeiro pânico e seu poder sobrelevava os do Executivo, do Legislativo e do Judiciário...”
Continuemos com alguns registros de sua caminhada em sua Belo Horizonte:
Foi um dos fundadores e o primeiro presidente do Instituto dos Advogados de Minas Gerais, instituição conhecida como A Casa de Mendes Pimentel (1915).

Como advogado, patrocinou o direito do Estado na discussão dos limites fronteiriços com o Estado do Espirito Santo (1915).

Em 1917, foi nomeado ministro do STF. Permitam que me detenha sobre esse fato:

Ocupava a presidência do país o mineiro Wenceslau Braz. Esperava-se que fosse nomeado ministro do STF o então diretor da Faculdade de Direito e presidente do Tribunal de Justiça, professor Edmundo Lins. Havia por parte do presidente da República grande resistência a seu nome porque havia Edmundo Lins, na condição de julgador, votado contra os interesses do Executivo estadual numa disputa processual; registre-se que esse voto fora confirmado pelo STF, quando examinou o recurso apresentado por Rui Barbosa.

Mendes Pimentel era um dos que defendia essa nomeação. O presidente, não querendo nomear o magistrado mineiro, pensou haver encontrado a solução: nomeou o próprio Mendes Pimentel, cujo nome foi aprovado no senado e sua nomeação publicada no Diário Oficial.

O que o presidente não esperava era a reação: com o ato de nomeação nas mãos, Mendes Pimentel viajou até a capital federal e disse pessoalmente ao presidente que não a aceitava. Disse mais: “Se de Minas deve sair o novo ministro, este somente pode ser Edmundo Lins”. De volta a Minas, liderou uma campanha em favor do desembargador mineiro que acabou sendo nomeado ministro do STF; o qual até hoje é considerado um dos melhores juízes que já passaram por esse tribunal.

Há diversas passagens que demonstram o prestígio de Mendes Pimentel. O jornalista Assis Chataubriand afirmou num artigo publicado na imprensa que, em Minas, havia dois governos, o do Palácio da Liberdade e o da Rua Paraíba, este vitalício, nas mãos de Mendes Pimentel; aquele transitório, exercido a cada quatro anos, por um presidente eleito. O título desse artigo era “o outro presidente”.

A narrativa dessas passagens e o semblante carregado do nosso primeiro reitor não podem nos enganar; era acima de tudo um bom homem. Seu grande amigo, professor de nossa Faculdade e presidente do Tribunal de Justiça, Raphael de Almeida Magalhães, seu companheiro diário de caminhadas pelas ruas da cidade, a seu respeito declarou: “Pimentel é como abacaxi de Lagoa Santa – coberto de asperezas por fora, cheio de doçura por dentro”.

Era de fato uma pessoa boa e simples, recebia a todos em sua residência localizada na Rua Paraíba 1032, especialmente recém-formados que o procuravam em busca de orientação.
Apreciava poesia, teatro e cinema. Vejamos o que conta seu ex-aluno, Ciro dos Anjos, a respeito das diversões da cidade em 1925: “Cinema era coisa de gente moça. Exceto o Dr. Mendes Pimentel, a gente madura, da alta classe não se permitia esse passatempo”.

Em 1927, como organizador e presidente do Conselho Penitenciário, remodelou a velha estrutura penitenciária, implantou penitenciárias agrícolas e pôs para funcionar o instituto do Livramento Condicional.

Vejamos agora sua passagem por nossa Universidade.

O velho sonho, acalentado desde Vila Rica pelos Inconfidentes, de criar uma universidade só se tornou realidade pela decisão firme do Presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada. Esse desejo foi mencionado pelo presidente ao fazer o convite a Mendes Pimentel para assumir o reitorado:

“Minas anseia por sua emancipação cultural, e daí para cá a aspiração universitária persiste no espirito montanhês; o povo mineiro está decidido a fazer este sacrifício em bem da coletividade nacional; as dificuldades só existem para serem vencidas; e o mérito não está em colher o fruto, mas em plantar e cuidar da árvore; a mentalidade dos dirigentes da política do Estado assegurará a continuidade de esforços, e daqui por diante não haverá programa de governo em Minas, em que seja esquecido o problema universitário; tenhamos humildade de iniciar modestamente a construção, que só as gerações remotas poderão rematar.”
A notícia da criação de uma universidade nesta capital, reunindo a Faculdade de Direito, a Escola de Medicina, a Escola de Engenharia e as Faculdades de Odontologia e Farmácia, que então funcionavam juntas, provocou grande entusiasmo, especialmente entre os jovens de todo o estado.

A data de 07 de setembro, na qual foi sancionada a Lei n. 956, que criou a Universidade de Minas Geraes, não foi por acaso. Sabia Antônio Carlos que o surgimento de uma universidade em nosso território representava a independência da juventude mineira. A posse do primeiro reitor, também teve uma data emblemática, o dia 15 de novembro de 1927.

Como advertido pelo presidente, o início não seria fácil, não havia dinheiro, não havia estrutura, não havia professores que tivessem como única ocupação o magistério. Nem mesmo havia um local próprio para o reitor ocupar. O reitorado foi instalado no velho Casarão da Praça Afonso Arinos, no prédio da Faculdade de Direito.

Para atenuar a falta de recursos, todos os professores destinavam 5% de seus vencimentos ao Fundo Alienável para ajudar nossa Instituição a dar seus primeiros passos.

Apesar de tudo o que Mendes Pimentel representava, como vimos, ele só almejava ter duas ocupações: ser professor e advogado criminal. Haver sido reitor foi a grande honra de sua vida e sabia que nesse cargo poderia prestar um grande serviço público. Ao se dirigir ao Presidente Antônio Carlos declarou:

“Além do mais, v. exa. me dá este ensejo novo de demonstrar, aos que atribuem a egoísmo ou covardia o meu alheiamento da política militante, que não é só nos cargos de representação popular, que se pode servir desinteressadamente o país”.
E sobre a importância do cargo que assumia, declarou:

Sr. presidente. Eu devo a v. exa. a honra culminante de minha longa vida de obreiro obscuro  a serviço de nossa pátria. E por mais que eu durasse, nenhuma outra teria o fulgor da que agora está passando.”
Para a Universidade, Mendes Pimentel tinha muitos planos. Sonhava com o dia em que ela pudesse contar com professores que se dedicassem exclusivamente ao magistério sem nenhuma outra ocupação fora da academia, são suas palavras:

“Com os meios materiais de que dispomos, ainda não é possível criar o professorado profissional, e sem ele, o ensino não preencherá integralmente sua missão. Mal remunerados, não podendo viver do estipêndio do magistério, somos professores nas horas vagas. Sem tempo para desenvolver nossa cultura especializada e sem ensejo de contato com os alunos a não ser nos instantes fugazes dos encontros de preleções de menos de uma hora.”
Achava que era indispensável renovar profundamente os processos de ensino.
Era crítico do método utilizado para ministrar as aulas. Defendia maior participação dos alunos e a utilização de instrumentos que os incentivassem efetivamente a isso.
Sobre a função do professor, disse:

“a aula não é um salão de conferências. O Lente é o aluno mais experiente, que em contato seguido com os companheiros mais moços sugere os temas para as investigações científicas e os assiste e os acompanha na elaboração”.
Mendes Pimentel sonhava com a construção de uma Cidade Universitária, na qual pudessem ser reunidos os institutos superiores da capital.

Conta Ruy Mendes Pimentel, um de seus filhos:

“Um dia percorrendo uma das glebas em vista para a localização da urbes universitária, paramos, com o professor Pedro Rache, a uma ondulação do terreno, estendendo o olhar pelo seu descampado em volta, numa tarde azul de Belo Horizonte, quando Mendes Pimentel abriu-se: ‘já estou ouvindo o rumor da colmeia...”
A respeito da solenidade de posse como reitor, escreveu o embaixador Raul Fernandes, presente nesse ato:

“Este homem se abstem voluntariamente de qualquer participação na política partidária; renunciou há muitos anos, o mandato de deputado; concentrou toda sua atividade no exercício do magistério e da advocacia; mas nesses ofícios põe virtudes tais, que a sua fama é imensa, e sua posição hoje é a de um árbitro incontestado. O presidente do Estado e os quatro secretários, o arcebispo, todo o magistério superior, os desembargadores da Relação, os estudantes em número avultado e o escol social de Belo Horizonte, eram no salão nobre da Faculdade de Direito, um resumo de todo o povo mineiro, consagrando a magistratura moral do dr. Mendes Pimentel.”
A aversão adquirida à política partidária o fez errar numa premonição dita em seu discurso de posse: “Aqui jamais terá entrada a intriga política”.

A Revolução de 1930, como se sabe, provocou muitos tumultos em diversas cidades do país, o que determinou a suspensão das aulas. Aqui, embora tenha havido graves incidentes, esses logo cessaram e as aulas voltaram ao normal. O governo provisório baixou um decreto autorizando os estudantes a serem promovidos de ano, observando apenas a média de frequência. Não demorou para que a Associação Universitária Mineira solicitasse ao reitor a extensão do benefício. Mendes Pimentel, embora não negasse ser contrário ao requerido, preferiu levar a questão ao Conselho Universitário para que a decisão fosse ditada pelo órgão máximo da Universidade.

O Conselho Universitário era então formado por Aurélio Pires, Alfredo Balena, J. Santa Cecília, Zoroastro Passos e Borges da Costa, da Faculdade de Medicina; Pedro Rache, Agnello Macedo, Lúcio José da Costa e Arthur Guimarães da Faculdade de Engenharia e Roberto de Almeida Cunha, Elias Paula de Andrade, João Ladeira de Senna e Ubirajara Vianna da Faculdade de Odontologia e Farmácia. Os representantes da Faculdade de Direito eram: Francisco Brant, Orozimbo Nonato, Juscelino Barbosa, Magalhães Drummond e Estevão Pinto, além de estudantes.

É preciso recordar que a Universidade, embora recebesse subsídios do estado, não era estatal e nem seus professores eram funcionários públicos.

O que estava em discussão, portanto, era saber se o decreto federal tinha que ser aplicado automaticamente ou se a Universidade de Minas tinha autonomia para decidir sobre isso.
O Conselho se reuniu no dia 18 de novembro, na sala da Congregação da Faculdade de Direito. Colocada a matéria em discussão e votação, o Conselho Universitário decidiu contrariamente ao pedido dos alunos.

Perdida a votação, os estudantes, insuflados por pessoas estranhas ao meio universitário, começaram a ofender os professores e não demorou para que lhes jogassem bolas de papel. Logo começaram a ser jogadas pedras, uma delas acertou o reitor na cabeça; pedaços de janela foram arrancados, cadeiras foram destruídas para serem usadas como armas.

Temendo pelo pior, três filhos do reitor se colocaram na frente do pai para protegê-lo. Tiros de revolver foram disparados e um estudante de medicina foi atingido vindo a falecer. Este aluno nem era a favor do pedido, estava apenas assistindo a sessão.

O autor do disparo foi identificado como Roberto Mendes Pimentel, filho do reitor. A história é longa; não devo abusar da paciência dos presentes.

Mas, diante disso, Mendes Pimentel renunciou à Cátedra e ao reitorado. Em janeiro de 1931, seu filho foi levado a Júri, defendido pelo professor Pedro Aleixo e pelo próprio pai, e foi absolvido, sendo reconhecida a legítima defesa de terceiro.

Por causa desses trágicos acontecimentos, Mendes Pimentel deixou sua Faculdade, sua Universidade e Minas Gerais. Mudou-se para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou a Minas.

Sabia Mendes Pimentel, como sabe Sandra Goulart e os demais reitores que o sucederam, muitos deles aqui presentes nesta solenidade, que uma Universidade só merece esse nome se tiver autonomia; também o sabia aquele Conselho Universitário, como o sabe o atual.

Francisco Mendes Pimentel deixou o reitorado de nossa Universidade três anos depois de sua posse; saiu como entrou, sem se dobrar, altivo, livre e independente por não abrir mão da defesa da autonomia administrativa e acadêmica. Foi, como bem observado pelo Prof. Raul Machado Horta “o grande sacrificado da autonomia que ele pregou, ensinou e praticou”.

Passou a viver no Rio de Janeiro, recebendo muitas homenagens, mas sempre com a lembrança de sua vida nestas montanhas.

Mendes Pimentel declarava-se ateu, não com arrogância, mas com humilde sinceridade. Não lhe fora dada – lamentava-se - a felicidade da crença, mas amava a humanidade e daí, o devotamento com que procurava servir. Sobre isso, Milton Campos observa: “são esses os bons ateus, dos quais se pode dizer que acreditam em tudo, menos em Deus”.

Continua o então senador mineiro, também seu ex-aluno:

“Na Universidade, Mendes Pimentel acreditava. Na sua missão e na sua vida cotidiana. Nos seus professores e nos seus alunos. E nela pretendia retrair-se, para tê-la como preocupação exclusiva e como encerramento de sua vida”.
Conta o próprio Milton Campos que, certa vez, durante as lutas de 1930, foi à sua procura e o encontrou na Universidade:

“presidindo carinhosamente uma eleição de estudantes. Entre os rapazes que enchiam de alacridade a sala e junto da mesa em que se espalhavam as cédulas, bondosamente examinou comigo o caso que me preocupava e na despedida, concluiu: ‘são essas as eleições em que acredito e é através delas que haveremos de preparar o futuro do nosso país”.
Eu disse no início que ele sofreu muitas tragédias,  a saída da Universidade foi uma delas, mas não a pior.

Nos seus últimos anos, ao ser questionado por um de seus filhos se tinha medo da morte, respondeu:

“não, só tenho medo da vida. Veja: perdi adultos, o Décio, a Ligia, o Roberto e o Álvaro. Nada mais doloroso para um pai, do que fechar os olhos de um filho. Já fechei de quatro e hoje só tenho medo do que de cruel ainda me possa reservar a vida”.
A esse respeito, Plínio Barreto afirmou:

“Dele se pode dizer, sem exagero, que foi grande em tudo, até no infortúnio, pois que este, em dado momento, lhe entrou pelo lar adentro envolto num manto de tragédia. O estoicismo com que enfrentou a sorte adversa pôs-lhe uma nota de grandeza moral”.
Como dito, recebeu incontáveis homenagens em vida e post mortem, impossível citar todas: recebeu o título de Professor Honorário desta Universidade e da Universidade de São Paulo, em 1941; há um município com seu nome; a sala da Congregação de nossa Faculdade e a avenida principal de nosso campus levam seu nome; há um busto seu na entrada da reitoria como se ele estivesse a ouvir o “rumor da colmeia”.

Mas, certamente, as duas maiores homenagens, melhor será dizer reconhecimentos, que lhe provocariam enorme emoção são dar seu nome à fundação de assistência destinada a estudantes carentes de nossa Universidade e a Medalha com a qual nosso reitorado distingue aqueles que contribuíram para fazer de nossa UFMG uma das mais importantes instituições de ensino de nosso país.

Francisco Mendes Pimentel faleceu no Rio de Janeiro, aos 88 anos, de colapso cardíaco. Em seu funeral, nossa Universidade esteve representada pelo seu reitor Professor Orlando de Carvalho.
Como bem observado por Ivan Lins, filho de seu amigo Edmundo Lins:

“Se Byron, um dos poetas de sua predileção, o tivesse conhecido, haveria de colocá-lo entre aqueles seres privilegiados que, do fundo de seus sepulcros, continuam a inspirar e dirigir os vivos.”
Magnífica Reitora, obrigado por permitir que a Faculdade de Direito, nesta solenidade, procure rememorar um pouco da essência daquele que foi um de seus mais importantes professores, que ocupou sua vice diretoria (1909), e sua direção em duas oportunidades (1911-1916 e 1923-1930) e foi em nossa Universidade nosso primeiro reitor.

Como advertido por EMERSON, vimos que é dele a sombra prolongada que ilumina nossa querida Instituição.

Nós, seus atuais dirigentes, temos a responsabilidade de não deixar que essa sombra se apague.

Viva Mendes Pimentel;

Viva a UFMG.


Obrigado.

Auditório da reitoria, em 09 de setembro de 2019, por ocasião da entrega da Medalha Reitor Mendes Pimentel.

Prof. Hermes Vilchez Guerrero
Diretor da Faculdade de Direito da UFMG. 















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