FRANCISCO MENDES
PIMENTEL: As glórias e tragédias de um Homem.
Magnífica Reitora,
Professora Sandra Goulart de Almeida.
Senhores
reitores e reitoras de nossa Universidade;
Senhoras
diretoras e diretores das Unidades de nossa Universidade;
Senhoras
professoras e professores;
Dignas
servidoras e servidores;
Caras
e caros estudantes
Senhoras
e senhores.
Segundo
o poeta e filosofo Ralph Emerson: “TODA INSTITUIÇÃO É A SOMBRA PROLONGADA DE UM
HOMEM”. É o que ocorre com nossa Universidade em relação a Francisco Mendes
Pimentel.
50
anos atrás, o Professor Raul Machado Horta, na inauguração do retrato do
primeiro reitor, declarou que “recordar Mendes Pimentel é recordar a
Universidade; que comemorar a Universidade é, ao mesmo tempo, comemorar Mendes
Pimentel”. É o que fazemos nesta noite.
Nosso
primeiro reitor merece uma biografia, poderia ficar muito tempo falando de sua
pessoa e de sua obra. Entretanto,
preferi me ater a algumas passagens de sua vida, especialmente àquelas que
demonstram a influência que exerceu na criação de nossa Universidade e o legado
que nos deixou.
É
preciso registrar de pronto que poucos receberam tantas honrarias e ao mesmo
tempo sofreram tantas tragédias pessoais como ele.
Francisco
Mendes Pimentel nasceu no Rio de Janeiro em 1869, portanto, há 150 anos. Ainda
criança veio para Minas Gerais, para Pitangui, onde seu pai foi ser juiz de
Direito.
Estudou
em Barbacena e Ouro Preto e se formou em Direito, em 1889, em São Paulo, três
anos antes da criação do curso de Direito em Minas.
Como
muitos estudantes de seu tempo, morou em pensões e repúblicas. A respeito dessa
fase de sua vida em São Paulo, narra Afonso Arinos, valendo-se do depoimento de
Sampaio Vidal:
“Pimentel,
era indisciplinado e folgazão. Nada prenunciava naquele estudante despreocupado
e rebelde o grande jurista, o incansável homem de estudo que veio a ser. Tinha
o hábito de trafegar pela casa em roupas menores, com o risco de alvoroçar
pudores de vizinhas novidadeiras; entrava regularmente no quarto saltando pela
janela, por invencível, confessa, inexplicável antipatia pela porta, e recusava
os conselhos maternos no sentido e ir habitar na Casa Petrópolis em companhia
de Edmundo Veiga, a fim de seguir o exemplo deste estudante modelar”.
Após
sua formatura, voltou para Minas, sendo nomeado promotor de Justiça para a
cidade de Queluz, atual Conselheiro Lafaiete.
Em
1890, foi professor de História no Ginásio Mineiro e de Pedagogia na Escola
Normal de Barbacena.
Em
1890, casou-se com Aurea Valle, uma moça que trabalhava numa fábrica de
cigarros em Juiz de Fora. Viveram juntos por 63 anos e tiveram 12 filhos.
Em
1894 foi eleito Deputado Estadual e, em 1896, eleito deputado federal. Como
parlamentar, sempre foi ligado a temas da educação, sendo, inclusive, o relator
da Comissão de Instrução Pública.
Em
1897, rebelou-se contra o “enfeudamento” e a falta de discussões de seu partido
(PRM). Com menos de um ano de mandato renunciou ao cargo de deputado federal.
No dizer de Gustavo Capanema: “as injunções partidárias eram de todo incompatíveis
com a natureza independente de seu espirito”.
Em
1898, veio morar na nova capital do Estado, onde instalou um dos primeiros
escritórios de advocacia. Aqui viveu até 1930.
No
ano seguinte, ingressou na Faculdade Livre de Direito, também recém-instalada
nesta cidade, com a tese “Dos crimes de imprensa”.
Foram
inúmeras as atividades desempenhadas por ele no período que aqui residiu.
Vejamos algumas sem a pretensão de mencionar todas:
Fundou
o jornal Diário de Minas, a Revista Forense (1904); ajudou a criar o Instituto
João Pinheiro (1909) destinado a preparar menores para o trabalho; eleito para
uma Cadeira na Academia de Letras (1909) recusou com o argumento de não ser
escritor; foi um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de Minas
Gerais (1911); dirigiu a Cia. de Viação Urbana e o Banco Hipotecário de Minas
Gerais (1911), que ajudou a fundar com Estevão Pinto e Juscelino Barbosa.
Em
1912, quando dirigia a Faculdade de Direito, criou com seu próprio dinheiro, a Fundação
Afonso Pena, destinada a auxiliar estudantes carentes de recursos, os quais
recebiam os denominados “empréstimos de honra”, de cuja escolha participavam
professores e estudantes que se comprometiam “sob a palavra de honra a não
revelar a aplicação do fundo beneficente”. Depois de formados, os ex-alunos
restituíam os empréstimos. Vale registrar que foi essa a primeira participação
de estudantes em órgãos colegiados em cursos superiores.
Para
a criação dessa fundação, foi feita uma doação de um conto de reis, além de
doações mensais, como dito os valores eram provenientes do próprio diretor.
Consta na ata da Congregação da Faculdade: “A Fundação Afonso Pena vem
preencher sensível vácuo no meio acadêmico, pois que muitos moços inteligentes
abandonam os seus estudos por falta de recursos”. Aí está a semente da nossa
FUMP.
Da
mesma maneira, no mesmo ano (1912), Mendes Pimentel criou a Assistência
Judiciária Mendes Pimentel, formada por alunos e professores. Destinava-se a
prestar assistência a pessoas carentes de recursos. Eis outra semente, que deu
origem à Divisão de Assistência Judiciária (DAJ), um dos mais importantes
órgãos de Extensão de nossa Universidade.
É
quase impossível conseguir demonstrar o que Mendes Pimentel representou no seu
tempo e a influência de seu legado. Permitam que tome emprestado o testemunho
de nosso principal memorialista, Pedro Nava, ao recordar a criação do Colégio
Anglo-Mineiro liderado por nosso homenageado, onde hoje está instalado o Corpo
de Bombeiros na Rua Ceará com Av. Afonso Pena:
“Bueno
Brandão, Delfim Moreira, Francisco Sales, Artur Bernardes, Afonso Pena Jr.,
Edmundo Lins, Estevão Pinto eram os planetas desse sistema em torno dos quais
gravitavam os satélites Carvalho Brito, Nelson de Sena, Carneiro Resende [...];
professores como Hugo Werneck e Marques Lisboa; altos funcionários como Carlos
Prates e Leon Roussoulieres; homens de dinheiro [...]; políticos amigos do
interior como Antônio Salvo, pessoas gradas da sociedade – cita vários nomes -.
Toda essa cúpula da tradicional família mineira girava em torno do astrossol
Francisco Mendes Pimentel. Não pleiteando favores, não pedindo nada, recusando
tudo, esnobando a política, renunciando a mandatos, dando a César o que é de
César, dizendo suas verdades na cara do presidente do estado como na de qualquer
tipo na rua – Mendes Pimentel inspirava verdadeiro pânico e seu poder
sobrelevava os do Executivo, do Legislativo e do Judiciário...”
Continuemos
com alguns registros de sua caminhada em sua Belo Horizonte:
Foi
um dos fundadores e o primeiro presidente do Instituto dos Advogados de Minas
Gerais, instituição conhecida como A Casa de Mendes Pimentel (1915).
Como
advogado, patrocinou o direito do Estado na discussão dos limites fronteiriços
com o Estado do Espirito Santo (1915).
Em
1917, foi nomeado ministro do STF. Permitam que me detenha sobre esse fato:
Ocupava
a presidência do país o mineiro Wenceslau Braz. Esperava-se que fosse nomeado
ministro do STF o então diretor da Faculdade de Direito e presidente do
Tribunal de Justiça, professor Edmundo Lins. Havia por parte do presidente da
República grande resistência a seu nome porque havia Edmundo Lins, na condição
de julgador, votado contra os interesses do Executivo estadual numa disputa
processual; registre-se que esse voto fora confirmado pelo STF, quando examinou
o recurso apresentado por Rui Barbosa.
Mendes
Pimentel era um dos que defendia essa nomeação. O presidente, não querendo
nomear o magistrado mineiro, pensou haver encontrado a solução: nomeou o
próprio Mendes Pimentel, cujo nome foi aprovado no senado e sua nomeação
publicada no Diário Oficial.
O
que o presidente não esperava era a reação: com o ato de nomeação nas mãos,
Mendes Pimentel viajou até a capital federal e disse pessoalmente ao presidente
que não a aceitava. Disse mais: “Se de Minas deve sair o novo ministro, este
somente pode ser Edmundo Lins”. De volta a Minas, liderou uma campanha em favor
do desembargador mineiro que acabou sendo nomeado ministro do STF; o qual até
hoje é considerado um dos melhores juízes que já passaram por esse tribunal.
Há
diversas passagens que demonstram o prestígio de Mendes Pimentel. O jornalista
Assis Chataubriand afirmou num artigo publicado na imprensa que, em Minas,
havia dois governos, o do Palácio da Liberdade e o da Rua Paraíba, este
vitalício, nas mãos de Mendes Pimentel; aquele transitório, exercido a cada
quatro anos, por um presidente eleito. O título desse artigo era “o outro
presidente”.
A
narrativa dessas passagens e o semblante carregado do nosso primeiro reitor não
podem nos enganar; era acima de tudo um bom homem. Seu grande amigo, professor
de nossa Faculdade e presidente do Tribunal de Justiça, Raphael de Almeida
Magalhães, seu companheiro diário de caminhadas pelas ruas da cidade, a seu
respeito declarou: “Pimentel é como abacaxi de Lagoa Santa – coberto de
asperezas por fora, cheio de doçura por dentro”.
Era
de fato uma pessoa boa e simples, recebia a todos em sua residência localizada
na Rua Paraíba 1032, especialmente recém-formados que o procuravam em busca de
orientação.
Apreciava
poesia, teatro e cinema. Vejamos o que conta seu ex-aluno, Ciro dos Anjos, a
respeito das diversões da cidade em 1925: “Cinema era coisa de gente moça.
Exceto o Dr. Mendes Pimentel, a gente madura, da alta classe não se permitia
esse passatempo”.
Em
1927, como organizador e presidente do Conselho Penitenciário, remodelou a
velha estrutura penitenciária, implantou penitenciárias agrícolas e pôs para
funcionar o instituto do Livramento Condicional.
Vejamos
agora sua passagem por nossa Universidade.
O
velho sonho, acalentado desde Vila Rica pelos Inconfidentes, de criar uma
universidade só se tornou realidade pela decisão firme do Presidente Antônio
Carlos Ribeiro de Andrada. Esse desejo foi mencionado pelo presidente ao fazer
o convite a Mendes Pimentel para assumir o reitorado:
“Minas
anseia por sua emancipação cultural, e daí para cá a aspiração universitária
persiste no espirito montanhês; o povo mineiro está decidido a fazer este
sacrifício em bem da coletividade nacional; as dificuldades só existem para
serem vencidas; e o mérito não está em colher o fruto, mas em plantar e cuidar
da árvore; a mentalidade dos dirigentes da política do Estado assegurará a
continuidade de esforços, e daqui por diante não haverá programa de governo em
Minas, em que seja esquecido o problema universitário; tenhamos humildade de
iniciar modestamente a construção, que só as gerações remotas poderão rematar.”
A
notícia da criação de uma universidade nesta capital, reunindo a Faculdade de
Direito, a Escola de Medicina, a Escola de Engenharia e as Faculdades de
Odontologia e Farmácia, que então funcionavam juntas, provocou grande
entusiasmo, especialmente entre os jovens de todo o estado.
A
data de 07 de setembro, na qual foi sancionada a Lei n. 956, que criou a Universidade
de Minas Geraes, não foi por acaso. Sabia Antônio Carlos que o surgimento de
uma universidade em nosso território representava a independência da juventude
mineira. A posse do primeiro reitor, também teve uma data emblemática, o dia 15
de novembro de 1927.
Como
advertido pelo presidente, o início não seria fácil, não havia dinheiro, não
havia estrutura, não havia professores que tivessem como única ocupação o
magistério. Nem mesmo havia um local próprio para o reitor ocupar. O reitorado
foi instalado no velho Casarão da Praça Afonso Arinos, no prédio da Faculdade
de Direito.
Para
atenuar a falta de recursos, todos os professores destinavam 5% de seus
vencimentos ao Fundo Alienável para ajudar nossa Instituição a dar seus
primeiros passos.
Apesar
de tudo o que Mendes Pimentel representava, como vimos, ele só almejava ter
duas ocupações: ser professor e advogado criminal. Haver sido reitor foi a
grande honra de sua vida e sabia que nesse cargo poderia prestar um grande
serviço público. Ao se dirigir ao Presidente Antônio Carlos declarou:
“Além
do mais, v. exa. me dá este ensejo novo de demonstrar, aos que atribuem a
egoísmo ou covardia o meu alheiamento da política militante, que não é só nos
cargos de representação popular, que se pode servir desinteressadamente o país”.
E
sobre a importância do cargo que assumia, declarou:
Sr.
presidente. Eu devo a v. exa. a honra culminante de minha longa vida de obreiro
obscuro a serviço de nossa pátria. E por
mais que eu durasse, nenhuma outra teria o fulgor da que agora está passando.”
Para
a Universidade, Mendes Pimentel tinha muitos planos. Sonhava com o dia em que
ela pudesse contar com professores que se dedicassem exclusivamente ao
magistério sem nenhuma outra ocupação fora da academia, são suas palavras:
“Com
os meios materiais de que dispomos, ainda não é possível criar o professorado
profissional, e sem ele, o ensino não preencherá integralmente sua missão. Mal
remunerados, não podendo viver do estipêndio do magistério, somos professores
nas horas vagas. Sem tempo para desenvolver nossa cultura especializada e sem
ensejo de contato com os alunos a não ser nos instantes fugazes dos encontros
de preleções de menos de uma hora.”
Achava
que era indispensável renovar profundamente os processos de ensino.
Era
crítico do método utilizado para ministrar as aulas. Defendia maior
participação dos alunos e a utilização de instrumentos que os incentivassem
efetivamente a isso.
Sobre
a função do professor, disse:
“a
aula não é um salão de conferências. O Lente é o aluno mais experiente, que em
contato seguido com os companheiros mais moços sugere os temas para as
investigações científicas e os assiste e os acompanha na elaboração”.
Mendes
Pimentel sonhava com a construção de uma Cidade Universitária, na qual pudessem
ser reunidos os institutos superiores da capital.
Conta
Ruy Mendes Pimentel, um de seus filhos:
“Um
dia percorrendo uma das glebas em vista para a localização da urbes
universitária, paramos, com o professor Pedro Rache, a uma ondulação do
terreno, estendendo o olhar pelo seu descampado em volta, numa tarde azul de
Belo Horizonte, quando Mendes Pimentel abriu-se: ‘já estou ouvindo o rumor da
colmeia...”
A
respeito da solenidade de posse como reitor, escreveu o embaixador Raul
Fernandes, presente nesse ato:
“Este
homem se abstem voluntariamente de qualquer participação na política
partidária; renunciou há muitos anos, o mandato de deputado; concentrou toda
sua atividade no exercício do magistério e da advocacia; mas nesses ofícios põe
virtudes tais, que a sua fama é imensa, e sua posição hoje é a de um árbitro
incontestado. O presidente do Estado e os quatro secretários, o arcebispo, todo
o magistério superior, os desembargadores da Relação, os estudantes em número
avultado e o escol social de Belo Horizonte, eram no salão nobre da Faculdade
de Direito, um resumo de todo o povo mineiro, consagrando a magistratura moral
do dr. Mendes Pimentel.”
A
aversão adquirida à política partidária o fez errar numa premonição dita em seu
discurso de posse: “Aqui jamais terá entrada a intriga política”.
A
Revolução de 1930, como se sabe, provocou muitos tumultos em diversas cidades
do país, o que determinou a suspensão das aulas. Aqui, embora tenha havido
graves incidentes, esses logo cessaram e as aulas voltaram ao normal. O governo
provisório baixou um decreto autorizando os estudantes a serem promovidos de
ano, observando apenas a média de frequência. Não demorou para que a Associação
Universitária Mineira solicitasse ao reitor a extensão do benefício. Mendes
Pimentel, embora não negasse ser contrário ao requerido, preferiu levar a
questão ao Conselho Universitário para que a decisão fosse ditada pelo órgão
máximo da Universidade.
O
Conselho Universitário era então formado por Aurélio Pires, Alfredo Balena, J.
Santa Cecília, Zoroastro Passos e Borges da Costa, da Faculdade de Medicina;
Pedro Rache, Agnello Macedo, Lúcio José da Costa e Arthur Guimarães da
Faculdade de Engenharia e Roberto de Almeida Cunha, Elias Paula de Andrade,
João Ladeira de Senna e Ubirajara Vianna da Faculdade de Odontologia e
Farmácia. Os representantes da Faculdade de Direito eram: Francisco Brant,
Orozimbo Nonato, Juscelino Barbosa, Magalhães Drummond e Estevão Pinto, além de
estudantes.
É
preciso recordar que a Universidade, embora recebesse subsídios do estado, não
era estatal e nem seus professores eram funcionários públicos.
O
que estava em discussão, portanto, era saber se o decreto federal tinha que ser
aplicado automaticamente ou se a Universidade de Minas tinha autonomia para
decidir sobre isso.
O
Conselho se reuniu no dia 18 de novembro, na sala da Congregação da Faculdade
de Direito. Colocada a matéria em discussão e votação, o Conselho Universitário
decidiu contrariamente ao pedido dos alunos.
Perdida
a votação, os estudantes, insuflados por pessoas estranhas ao meio
universitário, começaram a ofender os professores e não demorou para que lhes
jogassem bolas de papel. Logo começaram a ser jogadas pedras, uma delas acertou
o reitor na cabeça; pedaços de janela foram arrancados, cadeiras foram
destruídas para serem usadas como armas.
Temendo
pelo pior, três filhos do reitor se colocaram na frente do pai para protegê-lo.
Tiros de revolver foram disparados e um estudante de medicina foi atingido
vindo a falecer. Este aluno nem era a favor do pedido, estava apenas assistindo
a sessão.
O
autor do disparo foi identificado como Roberto Mendes Pimentel, filho do
reitor. A história é longa; não devo abusar da paciência dos presentes.
Mas,
diante disso, Mendes Pimentel renunciou à Cátedra e ao reitorado. Em janeiro de
1931, seu filho foi levado a Júri, defendido pelo professor Pedro Aleixo e pelo
próprio pai, e foi absolvido, sendo reconhecida a legítima defesa de terceiro.
Por
causa desses trágicos acontecimentos, Mendes Pimentel deixou sua Faculdade, sua
Universidade e Minas Gerais. Mudou-se para o Rio de Janeiro e nunca mais voltou
a Minas.
Sabia
Mendes Pimentel, como sabe Sandra Goulart e os demais reitores que o sucederam,
muitos deles aqui presentes nesta solenidade, que uma Universidade só merece
esse nome se tiver autonomia; também o sabia aquele Conselho Universitário,
como o sabe o atual.
Francisco
Mendes Pimentel deixou o reitorado de nossa Universidade três anos depois de
sua posse; saiu como entrou, sem se dobrar, altivo, livre e independente por
não abrir mão da defesa da autonomia administrativa e acadêmica. Foi, como bem
observado pelo Prof. Raul Machado Horta “o grande sacrificado da autonomia que
ele pregou, ensinou e praticou”.
Passou
a viver no Rio de Janeiro, recebendo muitas homenagens, mas sempre com a lembrança
de sua vida nestas montanhas.
Mendes
Pimentel declarava-se ateu, não com arrogância, mas com humilde sinceridade.
Não lhe fora dada – lamentava-se - a felicidade da crença, mas amava a
humanidade e daí, o devotamento com que procurava servir. Sobre isso, Milton
Campos observa: “são esses os bons ateus, dos quais se pode dizer que acreditam
em tudo, menos em Deus”.
Continua
o então senador mineiro, também seu ex-aluno:
“Na
Universidade, Mendes Pimentel acreditava. Na sua missão e na sua vida
cotidiana. Nos seus professores e nos seus alunos. E nela pretendia retrair-se,
para tê-la como preocupação exclusiva e como encerramento de sua vida”.
Conta
o próprio Milton Campos que, certa vez, durante as lutas de 1930, foi à sua
procura e o encontrou na Universidade:
“presidindo
carinhosamente uma eleição de estudantes. Entre os rapazes que enchiam de
alacridade a sala e junto da mesa em que se espalhavam as cédulas, bondosamente
examinou comigo o caso que me preocupava e na despedida, concluiu: ‘são essas
as eleições em que acredito e é através delas que haveremos de preparar o
futuro do nosso país”.
Eu
disse no início que ele sofreu muitas tragédias, a saída da Universidade foi uma delas, mas
não a pior.
Nos
seus últimos anos, ao ser questionado por um de seus filhos se tinha medo da
morte, respondeu:
“não,
só tenho medo da vida. Veja: perdi adultos, o Décio, a Ligia, o Roberto e o
Álvaro. Nada mais doloroso para um pai, do que fechar os olhos de um filho. Já
fechei de quatro e hoje só tenho medo do que de cruel ainda me possa reservar a
vida”.
A
esse respeito, Plínio Barreto afirmou:
“Dele
se pode dizer, sem exagero, que foi grande em tudo, até no infortúnio, pois que
este, em dado momento, lhe entrou pelo lar adentro envolto num manto de
tragédia. O estoicismo com que enfrentou a sorte adversa pôs-lhe uma nota de
grandeza moral”.
Como
dito, recebeu incontáveis homenagens em vida e post mortem, impossível citar
todas: recebeu o título de Professor Honorário desta Universidade e da
Universidade de São Paulo, em 1941; há um município com seu nome; a sala da
Congregação de nossa Faculdade e a avenida principal de nosso campus levam seu
nome; há um busto seu na entrada da reitoria como se ele estivesse a ouvir o
“rumor da colmeia”.
Mas,
certamente, as duas maiores homenagens, melhor será dizer reconhecimentos, que
lhe provocariam enorme emoção são dar seu nome à fundação de assistência
destinada a estudantes carentes de nossa Universidade e a Medalha com a qual
nosso reitorado distingue aqueles que contribuíram para fazer de nossa UFMG uma
das mais importantes instituições de ensino de nosso país.
Francisco
Mendes Pimentel faleceu no Rio de Janeiro, aos 88 anos, de colapso cardíaco. Em
seu funeral, nossa Universidade esteve representada pelo seu reitor Professor
Orlando de Carvalho.
Como
bem observado por Ivan Lins, filho de seu amigo Edmundo Lins:
“Se
Byron, um dos poetas de sua predileção, o tivesse conhecido, haveria de
colocá-lo entre aqueles seres privilegiados que, do fundo de seus sepulcros,
continuam a inspirar e dirigir os vivos.”
Magnífica
Reitora, obrigado por permitir que a Faculdade de Direito, nesta solenidade,
procure rememorar um pouco da essência daquele que foi um de seus mais
importantes professores, que ocupou sua vice diretoria (1909), e sua direção em
duas oportunidades (1911-1916 e 1923-1930) e foi em nossa Universidade nosso
primeiro reitor.
Como
advertido por EMERSON, vimos que é dele a sombra prolongada que ilumina nossa
querida Instituição.
Nós,
seus atuais dirigentes, temos a responsabilidade de não deixar que essa sombra
se apague.
Viva Mendes Pimentel;
Viva a UFMG.
Obrigado.
Auditório
da reitoria, em 09 de setembro de 2019, por ocasião da entrega da Medalha
Reitor Mendes Pimentel.
Prof. Hermes Vilchez
Guerrero
Diretor da Faculdade de
Direito da UFMG.
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