quarta-feira, 29 de março de 2017

A semeadura

Foi na quinta feira passada que me abalei para o fórum depois de certificar que o juiz de família estava ainda em audiência. Havia passado horas redigindo 9 páginas, espaço duplo, que fique claro, além de vários laudos médicos a analisar e outros tantos documentos, daí as necessárias nove páginas.

Esperei um tanto, a audiência das 16:00h só terminou às 18:50h, pasmem. Quando saiu o primeiro da sala de audiências me adiantei e encontrei um advogado ainda esperando uma cópia da ata e duas partes. Todos com cara de réus.

Intimamente conclamei: vamos mediar, gente. Depois da sessão de mediação ninguém sai com essa cara, pelo contrário, semblantes serenos e cheios de esperança.

Atalhei, atalhei, e cadeira do juiz estava vazia, mas com o paletó. Voltará, informou o escrevente. Esperei nas cadeiras reservadas aos estagiários. Sua Excelência não ficou muito satisfeito em me ver, entendo perfeitamente, a estas horas, depois de uma tarde intensa de audiências. Não hesitou em demonstrá-lo.

Os advogados estão também acostumados a isso, ossos do ofício. Mantém-se o aplomb e vai-se em frente. O juiz não ouvia em silêncio, de pronto rebatia cada informação que eu dava, como se eu estivesse a dizer absurdos. Pode ter sido uma tentativa de me despachar, literalmente, por assim dizer. Mas não surtiu de efeito. 

Conversávamos (modo de dizer), em pé, quando Sua Excelência entendeu de sentar-se sem qualquer gesto de me indicar uma cadeira. Em verdadeiro rapport sentei também e fui explicando o processo, aconteceu isso, depois isso. São milhares de processos, é preciso refrescar a memória. Vossa Excelência decidiu neste sentido, etc.

Tinha ele tantos argumentos contrários às minhas ponderações, mas um me calou fundo e eu o repeti em forma de pergunta, bem devagar, quase de forma cândida. Vai parecer insolente, pensei, mas não tem jeito. Vossa Excelência não vai ler a minha petição? Ênfase no "ler". Aconteceu assim.

O que se seguiu? Um olhar surpreso, um cair em si, Havia dito quando cheguei, a questão é grave. Um sentimento de nonsense***. Sim, tudo pode acontecer, inclusive isto. Foi o cansaço, dirão alguns.

Por quais cargas d'água parte-se do pressuposto que, chegando para despachar aquelas horas o advogado não tem razão, ou motivo forte o suficiente? Nos finalmente, que a parte pode ter direito e razão no que alega por meio do advogado. Inclusive àquelas horas.

É um modo muito antiquado de se portar, esse. Tenho quase certeza que na escola de juízes (aqui em Minas a Escola Judicial Edésio Fernandes), deve haver a esta altura do século na matéria Deontologia**** Forense o módulo Recebendo Bem o Advogado ou mesmo Ouvindo o Advogado.

Mais um aprendizado com a Mediação: a escuta ativa, escutar mesmo, sem interromper o interlocutor com soluções e objeções.

Ao fim e ao cabo veio a frase lapidar e afirmativa: vou ler a petição.

Bravo! Bravíssimo!

É fato que na audiência da segunda-feira seguinte o magistrado disse na frente de todos, li sua petição "por alto".

Já é um começo. A propósito compartilho com os bravos e eventuais leitores um recorte de jornal com lições de jardinagem aplicadas à vida, chama-se Da semente à flor, algumas lições propostas por Seb Kastro:

Nem tudo que você semeia nasce. Mas nada nasce se você não semear.

Semeemos, pois.


Blog De Beca e Toga



* Aprumo, equilíbrio.
** Conceito da psicologia, técnica para criar uma ligação de sintonia e empatia com outra pessoa.
*** Sem sentido, absurdo.
****  Ciência dos deveres.

sexta-feira, 10 de março de 2017

Agressão a criança dispensa prova de dano moral


A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) rejeitou o recurso especial de uma mulher condenada a pagar R$ 4 mil a título de danos morais por agressões verbais e físicas contra uma criança de dez anos que havia brigado com sua filha na escola.
Para os ministros da turma, o reconhecimento do dano moral sofrido pela criança não exige o reexame de provas do processo – o que seria inviável na discussão de recurso especial –, sendo bastante a prova de que a agressão ocorreu.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que se trata de uma situação de dano moral in re ipsa, ou seja, dano presumido. A recorrente alegou que a condenação foi indevida, já que não houve comprovação inequívoca de sofrimento moral por parte da criança agredida.
Segundo a ministra, em muitos casos não é possível fazer a demonstração de prejuízo moral, bastando a simples existência do fato para caracterizar uma agressão reparável por indenização de danos morais.
“A sensibilidade ético-social do homem comum, na hipótese, permite concluir que os sentimentos de inferioridade, dor e submissão sofridos por quem é agredido injustamente, verbal ou fisicamente, são elementos caracterizadores da espécie do dano moral in re ipsa”, afirmou a ministra.
Violência contra menor
Nancy Andrighi destacou que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) assegura o direito à inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral (artigo 17).
Ela ressaltou que a legislação brasileira garante a primazia do interesse das crianças e dos adolescentes, com a proteção integral dos seus direitos.
“Logo, a injustiça da conduta da agressão, verbal ou física, de um adulto contra uma criança ou adolescente independe de prova e caracteriza atentado à dignidade dos menores”, acrescentou a relatora.
Embargos de declaração
Os ministros também refutaram a alegação de que a condenação teria sido inválida por ter ocorrido no julgamento de embargos de declaração com efeitos infringentes. A recorrente disse que os embargos deram interpretação diversa ao mesmo conjunto de provas, o que não seria permitido pelo artigo 535 do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, que disciplina as situações em que cabem embargos de declaração.
De acordo com Nancy Andrighi, a jurisprudência do STJ admite que os embargos tenham caráter infringente, desde que seja constatado algum dos vícios previstos no artigo 535 cuja correção implique a alteração do julgado.
Leia o acórdão.

Esta notícia refere-se ao(s) processo(s):REsp 1642318


quarta-feira, 8 de março de 2017

Afazeres de monta e de toda sorte


La Cité des Dames, escrito em 1405, Christine de Pizan 


No dia Internacional da Mulher mulheres há que costumam receber ofensas logo cedo, perdão, homenagens. Buquês virtuais, mensagens carinhosas e os epítetos clássicos da data, o mais sintomático, guerreira.

Antes tais homenagens aborreciam sobremaneira, hoje são recebidas com um oh, obrigada, mas não as virtuais, assim também já é demais.

O que terá havido para este up grade (alcançar patamar superior) na recepção dos votos efusivos da data? 

Simples, olhando de certo ângulo percebe-se que a intenção de homenagear é genuína mas falta ao discurso uma palavra, ou algumas, apesar de tudo, apesar dos pesares, apesar dos handicaps*, vocês, nós mulheres, resistimos, enfrentamos e continuamos. A homenagem então e também é à resiliência e persistência destes seres especiais.

É tudo isso e mais um pouco, exaustiva e necessária a cantilena todo santo ano e na verdade, todo santo dia, é uma prática diária.

Hora de alcançar mais um patamar superior e passar para as ações afirmativas, estas, sim, capazes de resgatar e retirar não todos, mas alguns dos pesos dos bolsos dos aventais das mulheres, ou dos terninhos, estes menos a gosto e mais à circunstância de cada mulher.

O que cabe a este Blog no quesito de ação afirmativa será feito hoje e agora. Faremos solenemente a troca de ícone da página. Saíra a etérea imagem da Justiça no vitral da Casa Conradi, de 1911, que orna o patamar médio da escada de ferro belga no Palácio da Justiça do Tribunal de Justiça de Minas Gerais e entrará, no dia Internacional da Mulher, a imagem de Cristine de Pisan, feminista avant la lettre**.

Segue o link com a biografia  desta notável Cristina de Pisano, em português brasileiro.

Ainda no campo das ações afirmativas está lançado hoje o novo marcador de página do Blog com a nova efígie.


De livre distribuição, o leitor que quiser receber em sua casa, escritório, ou onde estiver, basta clicar aqui e enviar seu endereço que faremos a postagem para qualquer rincão do Brasil, quiçá do exterior.

Os leitores da Capital poderão ganhar pessoalmente da editora assim que a avistarem no fórum, no tribunal, nas livrarias, onde quer que a encontrem.

Feita a ação afirmativa de hoje é hora de tocar o barco que o tempo urge. E o dia das mulheres, como se sabe, tem muitas horas a mais e dentro delas, afazeres de monta e de toda sorte.


O termo handicap é um termo inglês que significa vantagem ou desvantagem. Handicap em turfe - Critério de aplicação de sobrepesos para equiparar as possibilidades de vitória entre dois cavalos de categoria desigual. Wikipédia.
** Avant la lettre: antes de o termo existir.

Ode à alegria

Ainda o tema. Desde as mais recentes indicações e posses deslustrosas para o mais alto cargo do judiciário brasileiro tenho evitado qualquer...