sexta-feira, 27 de março de 2015

As palavras têm poder

Ouvimos ontem coisas terríveis sobre advogados e teremos que voltar ao tema. É preciso ter paciência com aqueles que, não sendo advogados ou mesmo com aqueles que, sendo advogados, não entendem a sutileza das palavras, a propriedade de cada adjetivo. 

E tascam, a torto e a direito, epítetos injustos contra a classe. Não é verdade que advogados são estressados, embora o ofício o seja. Advogados suportam coisas inimagináveis sem pestanejar.

E intervêm no calor dos acontecimentos para reconduzir o barco à rota, o trem aos trilhos ou uma questão a bom termo. No mínimo, para esclarecer, o que já é um feito num imbróglio.

Na verdade, (para nós, que fique claro e somos obrigados a repetir, salvo melhor juízo), advogados são intensos. É da natureza deles. Há exceções, que também fique claro. Há, de fato, os tipos fleumáticos. Mas, no núcleo são intensos à sua maneira.

Refletindo sobre o tema e ouvindo opiniões diversas, reunimos um feixe de informações, separamos o joio do trigo, e concluímos, aliviados que, de fato, advogados são intensos, estressado é outra categoria de coisas. Nada de confundir e ofender pelo uso indevido do adjetivo.

Como se sabe, as palavras têm poder.

Quando a advocacia vira comércio

Da mesma forma que assistimos como patos a língua pátria ser achincalhada com neologismos vindos do inglês, os conhecidos vamos estar fazendo, vamos estar enviando... (Dizem que é culpa dos atendentes de telemarketing, na verdade, das empresas multinacionais patroas deles que doutrinam os moços e as moças a falar assim, e eles crentes que estão fazendo bonito, arrasando na cordialidade telefônica).

Tivemos hoje um exercício de realidade daquilo que temos assistido como patos. Quando a advocacia vira um negócio e não um serviço, salvo melhor juízo. O escritório virou empresa e sua página na internet propagandeia o melhor dos mundos para os consumidores em potencial, aliás, clientes. Um mundo edulcorado que não resistiu a três telefonemas. Concluímos depois do exercício de realidade que trata-se, a excelência exalada, de coisa para inglês ver.

É que hoje vale mais a versão do que o fato. A empresa, quer dizer, escritório em questão, lá no sul do país, doutrinou bem sua telefonista que pediu imediatamente o CNPJ da empresa quando dissemos que gostaríamos de falar com o advogado tal, cuja procuração está nos autos aqui na comarca de Belo Horizonte/MG.

Mesmo informada que nós, advogados da empresa tal, parte no processo tal gostaríamos imensamente de falar com o advogado que assinou todos aqueles recursos e impugnações (protelatórios, cá entre nós, cada um deles durou dois anos), tinha a moça, já, seu discurso pronto.

E doutrinada, foi avisando peremptória: "sem CNPJ não localizo no sistema.Ah, sei, redarguimos nós. Tivemos que explicar à cara senhorita que não sabemos o CNPJ do executado, cliente do pujante escritório, que não somos clientes ou consumidores daquele escritório para cumprir tal rigorosa norma de identificação e triagem de casos.

- É indenizatória? - Não, senhora.

- Não estou localizando o nome da empresa no sistema. Sem isso o advogado não vai conseguir saber do que se trata.

- A senhora está me dizendo que o advogado tal, que assinou as petições não sabe do que se trata... Sei...

Misteriosamente a ligação caiu duas vezes, na segunda secretária, treinadíssima também em desviar ligações dos causídicos.

Na terceira tentativa conseguimos finalmente falar com uma estagiária de direito, lá chamada de assistente jurídica, na inovadora nomeclatura adotada pela empresa.

Curiosamente no site da empresa constava pessoalidade, eficiência, cordialidade, tudo que não foi dispensado a uma reles advogada que pretendia tão somente estabelecer uma conversação com o advogado da causa, o mesmo de reiterados e protelatórios recursos.

Anotados os dados, sabemos de antemão que podemos esquecer o assunto, não haverá contato ou retorno, afinal, para que irão agilizar o pagamento das multas e honorários advocatícios sucumbenciais do cliente devedor?

Não há de ser nada, a penhora on line veio para ficar.

Quando a advocacia vira comércio, caem primeiro os advogados, os de dentro da empresa, aliás, escritório e aqueles outros, ex-adversos. Perde a advocacia.

Não deixamos passar em branco e registramos a quem interessar possa, que o atendimento e tratamento dispensados a um advogado por um escritório tido por top (pujante, etc.) esteve abaixo da crítica. 

Por curiosidade fomos checar o site da empresa, belíssimo.  Há um ditado no sertão de Minas Gerais que diz: por fora bela viola, por dentro pão bolorento.

Mastigado o pão bolorento do dia.

quinta-feira, 26 de março de 2015

Cenas do fórum

Há dias em que há briga pelos corredores das varas de família. Pode acontecer antes, como preparação para o que vai desenrolar lá dentro ou pós, reflexo do que aconteceu na audiência. Mas hoje fomos surpreendidos por cena amena e cheia de enlevo. 

Um bebê foi levado à vara de família para uma audiência. Um lindo bebê, tão louro que branco o cabelinho ralo. Veio trazido ao colo e foi levado ao juiz, acompanhado de três advogados, uma avó e uma mãe, supomos. Ação de guarda, decerto, ou adoção, ficamos imaginando. 

Logo depois, de volta ao corredor passou pelo colo de dois advogados da causa, encantados com o menino. Posaram para fotos com a criança ao colo e não resistiram, cobriram o garoto de beijos. Sim, cada jovem advogado deu quatro beijos, nas faces, na cabecinha e nas mãos. Para horror dos profissionais de saúde e mães outras que, por acaso, aguardavam no corredor. O advogado mais velho limitou-se a um afago nos cabelos.

Somos, realmente, povo dos mais cordiais e afetuosos, inclusive no fórum.

"Na Suécia não faria o menor sucesso", ponderou colega que, parece, não se rendeu aos encantos do bebê.

Até o juiz que assomou à porta mais tarde tinha as feições desanuviadas e um leve sorriso, pós audiência.

Enquanto isso, em outro andar do fórum, uma outra face da vida desenrolava na porta da vara de sucessões. Um rapaz deformado pela paralisia cerebral aguardava numa cadeira de rodas. Com sua acompanhante, devastada também pela vida.

Entre uma cena e outra reparamos que, estranhamente, hoje a vara de sucessões visitada não estava abarrotada de advogados se acotovelando no balcão. Talvez daí o bom humor do serventuário, digno de nota.

sexta-feira, 20 de março de 2015

Dano Moral nas Instituições de Ensino Superior

O outro lado da moeda, ou, uma das consequências da expansão/proliferação do ensino superior no Brasil. Esse é o tema do livro do colaborador deste Blog, Fabrício Veiga Costa, Doutor em Direito Processual pela PUC Minas.





Diz Renata Andrade Gomes sobre o livro:

“A expansão do ensino superior no Estado brasileiro, que teve início na década de 90 com o advento da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, seguida de políticas públicas para viabilizar maior acesso de pessoas ao ensino superior. [...] O autor a­firma que essa expansão, marcadamente quantitativa, acarretou uma profunda mudança no sistema de seleção dos alunos, substituindo o critério meritório, apurado por meio da aprovação em vestibular, pelo ­financeiro, com a obtenção de bolsas e ­ financiamentos estudantis. Essa mudança trouxe novos desafios para as instituições e para os professores, notadamente pela heterogeneidade e formação deficitária dos alunos. Nesse contexto, os conflitos de interesse tornam-se inevitáveis e são agravados pela errônea expectativa dos discentes de que a educação superior – e obtenção do diploma – é uma mercadoria que se adquire com o pagamento regular da mensalidade. O aluno, ao ser frustrado em sua expectativa, entende que possui direito a reparação por danos, recorrendo ao Judiciário.” 

quinta-feira, 19 de março de 2015

Reflexões sobre a guarda compartilhada


A Lei nº 13058, de 22 de dezembro de 2014 estabeleceu o significado da expressão “guarda compartilhada” e modificou o teor dos artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 do Código Civil que tratam da matéria.
A lei estabelece um ideal, o que deveria ser e o faz sempre no interesse da criança. A vida prática, no entanto, pode ser inteiramente divorciada do ideal, mas o papel da lei é estabelecer o direito da criança, o direito ao convívio com ambos os pais.

A divisão de tempo

O equilíbrio no tempo de convivência não há de ser em porcentagem fechada, estática, mas pede ajustamento às condições reais de vida dos pais. Deve atender às peculiaridades de cada família, cada pai, mãe e filho. O equilíbrio não estará na igualdade de tempo medido em cronômetro, mas na adequação à realidade de cada família.
“Art. 1.583 ................................................................
§ 2o  Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e com o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
A lei da guarda compartilhada estabelece a priori o direito da criança ao convívio com ambos os pais na mesma proporção, e no parágrafo 2º do art. 1.583 cede diante da realidade, tendo por atendido o equilíbrio no ajustamento segundo as possibilidades de cada família.

Supervisão dos filhos, direito ou obrigação

No parágrafo 5º do Art. 1.583 com a nova redação dada pela lei da guarda compartilhada diz que é obrigação da mãe ou pai que não detém a guarda supervisionar os interesses dos filhos.
“Art. 1.583 ...................................................................
 § 5º  A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos, e, para possibilitar tal supervisão, qualquer dos genitores sempre será parte legítima para solicitar informações e/ou prestação de contas, objetivas ou subjetivas, em assuntos ou situações que direta ou indiretamente afetem a saúde física e psicológica e a educação de seus filhos.”
Mais que obrigação, entendemos que a supervisão é um direito natural do pai/mãe que não detém a guarda, e inserido na letra da lei facilitará o exercício da paternidade/maternidade, sempre no interesse da criança.
A lei também veio facilitar o exercício da paternidade/maternidade daquele que não detém a guarda junto às escolas e profissionais de saúde, quando impõe o dever de prestar informação sobre a criança a qualquer um dos pais, sendo ou não o detentor da guarda, sob pena de multa.
“Art. 1.584. .......................................................................
§ 6o  Qualquer estabelecimento público ou privado é obrigado a prestar informações a qualquer dos genitores sobre os filhos destes, sob pena de multa de R$ 200,00 (duzentos reais) a R$ 500,00 (quinhentos reais) por dia pelo não atendimento da solicitação.” (NR)
A guarda compartilhada no desacordo
O aspecto polêmico da lei é o estabelecimento da guarda compartilhada quando os pais não estiverem de acordo quanto à ela:
“Art. 1.584.  ........................................................................
§ 2o  Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, encontrando-se ambos os genitores aptos a exercer o poder familiar, será aplicada a guarda compartilhada, salvo se um dos genitores declarar ao magistrado que não deseja a guarda do menor.
Em situação de desavença entre os pais, entendemos, a princípio, temerária a imposição da guarda compartilhada, possibilitando o agravamento das desavenças e tendo como centro a criança, cujo interesse a lei procurar preservar e garantir.
Num esforço, ampliando, podemos entender a imposição legal como um convite forçado aos pais separados e em desacordo a um exercício, um embate que poderá levar, ou não, ao equilíbrio na criação dos filhos.
De qualquer forma, a atribuição da guarda compartilhada estará sempre submetida à apreciação do juiz que considerará na sua decisão os subsídios dos profissionais das áreas de assistência social e psicologia que prestam serviço às varas de família.
“Art. 1.584.  ..........................................................................
§ 3o  Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar, que deverá visar à divisão equilibrada do tempo com o pai e com a mãe.
O tempo e o exercício é que nos dirão do acerto/desacerto da imposição da guarda compartilhada em caso de desacordo entre os pais.

 



Valéria Veloso
Advogada civilista, graduada pela UFMG, Especialização em Direito Processual pelo IEC-PUC Minas



terça-feira, 17 de março de 2015

Reflexões de um criminalista



Colaborador deste Blog o criminalista Leonardo Isaac Yarochewsky lança livro, conforme diz, fruto das suas inquietações jurídicas, políticas e sociais expressadas em artigos publicados ao longo dos anos em jornais de circulação nacional e informativos jurídicos.

Os temas violência, redução da maioridade penal, drogas, prisão, pena de morte e direitos humanos são tratados em linguagem acessível ao público leigo sem abdicar do rigor científico e jurídico exigidos pela matéria penal.








Leonardo Isaac Yarochewsky é doutor em Ciências Penais pela Universidade Federal de Minas Gerais e professor da graduação e pós-graduação da PUC Minas.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Convivência com expectativa de formar família no futuro não configura união estável


Para que um relacionamento amoroso se caracterize como união estável, não basta ser duradouro e público, ainda que o casal venha, circunstancialmente, a habitar a mesma residência; é fundamental, para essa caracterização, que haja um elemento subjetivo: a vontade ou o compromisso pessoal e mútuo de constituir família.

Seguindo esse entendimento exposto pelo relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de um homem que sustentava ter sido namoro – e não união estável – o período de mais de dois anos de relacionamento que antecedeu o casamento entre ele e a ex-mulher. Ela reivindicava a metade de apartamento adquirido pelo então namorado antes de se casarem.

Depois de perder em primeira instância, o ex-marido interpôs recurso de apelação, que foi acolhido por maioria no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Como o julgamento da apelação não foi unânime, a ex-mulher interpôs embargos infringentes e obteve direito a um terço do apartamento, em vez da metade, como queria. Inconformado, o homem recorreu ao STJ.

No exterior

Quando namoravam, ele aceitou oferta de trabalho e mudou-se para o exterior. Meses depois, em janeiro de 2004, tendo concluído curso superior e desejando estudar língua inglesa, a namorada o seguiu e foi morar com ele no mesmo imóvel. Ela acabou permanecendo mais tempo do que o previsto no exterior, pois também cursou mestrado na sua área de atuação profissional.

Em outubro de 2004, ainda no exterior – onde permaneceram até agosto do ano seguinte –, ficaram noivos. Ele comprou, com dinheiro próprio, um apartamento no Brasil, para servir de residência a ambos. Em setembro de 2006, casaram-se em comunhão parcial  – regime em que somente há partilha dos bens adquiridos por esforço comum e durante o matrimônio. Dois anos mais tarde, veio o divórcio.

A mulher, alegando que o período entre sua ida para o exterior, em janeiro de 2004, e o casamento, em setembro de 2006, foi de união estável, e não apenas de namoro, requereu na Justiça, além do reconhecimento daquela união, a divisão do apartamento adquirido pelo então namorado, tendo saído vitoriosa em primeira instância. Queria, ainda, que o réu pagasse aluguel pelo uso exclusivo do imóvel desde o divórcio – o que foi julgado improcedente.

Núcleo familiar

Ao contrário da corte estadual, o ministro Bellizze concluiu que não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro – e não para o presente –, o propósito de constituir entidade familiar”. De acordo com o ministro, a formação do núcleo familiar – em que há o “compartilhamento de vidas, com irrestrito apoio moral e material” – tem de ser concretizada, não somente planejada, para que se configure a união estável.

“Tampouco a coabitação evidencia a constituição de união estável, visto que as partes, por contingências e interesses particulares (ele, a trabalho; ela, por estudo), foram, em momentos distintos, para o exterior e, como namorados que eram, não hesitaram em residir conjuntamente”, afirmou o ministro no voto.

Por fim, o relator considerou que, caso os dois entendessem ter vivido em união estável naquele período anterior, teriam escolhido outro regime de casamento, que abarcasse o único imóvel de que o casal dispunha, ou mesmo convertido em casamento a alegada união estável.

O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.


quinta-feira, 12 de março de 2015

Um filtro intuitivo

Da série O Autor na Academia

Esteve ontem na Academia Mineira de Letras, em Belo Horizonte, o escritor Ignácio de Loyola Brandão.  Nem é preciso dizer que encantou o público, a intelligentsia local e jovens, muitos jovens, ávidos de perguntas.

Ignácio veio lançar Os olhos cegos dos cavalos loucos, um acerto de contas com a infância, supomos. E falar ao público sobre o ofício de escrever e as inspirações da vida. Um filtro intuitivo foi sua definição do que seja um escritor, exemplificando com passagens de sua vida que inspiraram contos e romances e que receberam, posteriormente, interpretações de críticos que sequer suspeitava. Daí o termo.

Para quem não foi e perdeu, aqui está o Blog para suprir a grave falta cultural.




   

  

O desfecho na impagável narração do exame de matemática em Araraquara/SP na década de cinquenta:






A seguir, uma lembrança deixada pela platéia, conspurcando a cena, e olhem que o autor falou sobre o desprazer de ir ao cinema hoje em dia com tanto refrigerante, pipoca e afins nas salas. 



   


O alerta intuitivo do autor não adiantou. A assistência permaneceu embotada, imersa na cultura de massa mesmo no recinto da Academia Mineira de Letras, bem defronte do busto de La Pensée, entronizada sobre o veludo verde com o dístico da Academia que veste a tribuna no palco.




Mais uns 300 anos de caminhada e cultura e a lata não será mais vista ao fim da sessão. Até o próximo encontro que "celebre a cultura, amplie os horizontes e alimente a alma".


quarta-feira, 11 de março de 2015

Um juiz contra o auxílio-moradia

Juízes contra o auxílio-moradia


Omar Gilson de Moura Luz

Juiz de direito em exercício na comarca de Viçosa


O Colégio dos Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil vai se reunir nesta quinta-feira em Belo Horizonte. Os mais altos dignatários dos tribunais estaduais, vexados com a indignação popular, vão anunciar que não mais se perfilharão à decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que, regulamentando artigo da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, mandou pagar a todos os juízes o auxílio-moradia. O penduricalho financeiro, sobre ser um acinte aos nacionais, é a encarnação da indecência e da imoralidade, proclamarão os altos magistrados.

A notícia é verdadeira? Não, claro que não. Os homens que comandam o judiciário em todos os quadrantes, muitos deles outrora acerbos críticos do indecoroso apetite do Congresso Nacional – mais conhecido por sua voracidade no banquetear com o dinheiro público do que pelo serviço que presta à nação –, desvestiram-se do que havia de mais caro e sagrado para a magistratura: a conduta moral sem jaça. Sabe-se agora que sempre invejaram os legisladores, queriam ser como eles, gozar o que o despudor proporciona, porque a negociata, na frase jocosa do Barão de Itararé, “é o bom negócio para o qual não me convidaram”. Não por outro motivo um juiz, logo que o CNJ autorizou o torpe pagamento, disse que o populacho logo se esqueceria, pois, afinal, “os cães ladram, e a caravana passa”. Olvidam-se de que a invídia – móvel da ação de Iago na tragédia shakespeariana de Otelo – não tarda a atrair as suas perversas consequências.

Propalam os defensores do auxílio-moradia que a verba está prevista em lei, seria legítima. Não se vai discutir aqui o contorcionismo jurídico para a ilação risível de que o auxílio-moradia deva ser pago a todos os juízes do país, pois o que a lei quis foi o reembolso daquilo que o magistrado viesse a gastar com aluguel, nunca o pagamento àqueles que, em suas respectivas comarcas, têm imóvel residencial próprio. Veja que a imoralidade da lei aflora justamente nesse ponto, porque a miríade de funcionários públicos, também mandados pelo estado para trabalhar fora de seus lugares de origem, direito também teria, na mesma medida, de haver a vexatória verba. Mas não é só, vem mais por aí.

Na minuta do Estatuto da Magistratura, que substituirá a Loman, está previsto o pagamento de multifárias extravagâncias e imbecilidades, como o 14º e 15º salários, sob o rótulo de “produtividade”; verba para especialização (mestrado, doutorado ou pós-doutorado), auxílio-saúde, auxílio-transporte, auxílio-creche, auxílio-educação e, ainda, passaporte diplomático (para que os enfatuados juízes não se submetam à alfandega nas viagens ao exterior), entre outras muitas toleimas e brincadeiras com o dinheiro alheio.

A passos largos, na contramão dos fundamentos éticos da cultura jurídica ocidental, afasta-se a magistratura de valores que a inspiraram por séculos: o agir moral, o bem comum, o cultivo das virtudes. Tragados pelo mal contemporâneo – o do utilitarismo –, os juízes parecem ter se esquecido do princípio da identidade: já não se identificam no próximo.

Os funcionários públicos do Brasil, os comuns, os que não têm sinecuras, precisam se mobilizar para estancar a sangria. As redes sociais estão aí e por elas há de ser iniciada a cruzada para volver o Judiciário para o caudal da moralidade e do respeito ao dinheiro do povo.

Os juízes querem remuneração digna, compatível com a honorabilidade e com os graves deveres do cargo; querem o retorno da quitação dos adicionais por tempo de serviço, que premia a experiência; e a paridade da remuneração entre os da ativa e os aposentados, e nunca, jamais, o aumento travestido, enganoso em sua gênese legislativa e espúrio em sua regulamentação, meio ardiloso de cercear reivindicações dos demais servidores públicos do país, que também anelam e merecem ganhos reais.

O que diz a Constituição da República? Todos são iguais perante a lei. Pode ser, mas uns são mais iguais que outros.

(Publicado em 11/03/2015, Jornal Estado de Minas)


segunda-feira, 9 de março de 2015

Vem aí o novo CPC


Prepare-se. 

Para tanto, o colaborador deste Blog, o professor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Raphael Silva Rodrigues indica o Portal Processual” (http://portalprocessual.com).

O Portal Processual, editado pelos pesquisadores Ticiano Alves e Silva e Vitor Fonsêca,  é um página virtual voltada para informações em Direito Processual Civil. Foi criado em 2014 e está on line desde 2015.

Ticiano Alves e Silva é Mestrando em Direito Processual (UERJ). Especialista em Direito Processual Civil (UNIDERP-LFG-IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Procurador do Estado (AM). Advogado

Vitor Fonsêca é Doutorando, Mestre e Especialista em Direito Processual Civil (PUC/SP). Secretário Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual. Promotor de Justiça (AM).

domingo, 8 de março de 2015

Posse no IAMG


Troca de comando no Instituto dos Advogados de Minas Gerais, hora de balanço, também, destes três anos passados.

Em três anos o Brasil foi sacudido por crises políticas e institucionais violentas, e ainda está sendo. Além de crise econômica, com o dólar alcançando a marca dos 3 reais. Daí a austeridade da posse em contraste com a anterior, registrada neste blog. É a nossa leitura, salvo melhor juízo.

No Informativo do IAMG, o ex-presidente Ricardo Aranha, fazendo um balanço da sua gestão, afirma: 

"Eu vejo o Brasil em um momento muito difícil, talvez o pior que já presenciei ao longo de minha carreira, iniciada aos 20 anos de idade. São muitos anos vendo o Brasil ir para a frente ou indo para trás. Vamos viver uma fase tormentosa em que riscos ocorrerão para todos os planos possíveis da organização do Estado e das instituições democráticas. Então, era preciso (...) estimular reuniões, eventos, debates ligados não apenas ao aspecto acadêmico, mas sim com o lado nacional, democrático, o lado cidadão da atividade do advogado."

Foi empossado como presidente, o Desembargador Nilson Reis para o triênio 2015/2017.


Nilson Reis e Valéria Veloso
Odilon Pereira de Souza, Antonio Romanelli, Valéria Veloso e Décio Mitre

Professor José Barcelos de Souza e Antonio Romanelli




Dia Internacional da Mulher - De Hollywood a Minas

Pelo dia Dia Internacional da Mulher agradecemos mas não compartilhamos todas as mensagens róseas e floridas que nos enaltecem como guerreiras, deusas, divas, heroínas, batalhadoras, e ainda, lindas, encantadoras, únicas, etc, etc.


Perdoem-nos, mas vamos na contra-mão desta amável euforia que toma conta das redes sociais hoje, com profusão de flores e brindes. Não queremos tapinhas nas costas por carregar o andor*, mas, mais consciência, politização e atitude.

Vamos de Patrícia Arquette na cerimonia do Oscar,


bradando por igualdade de salários na meca do cinema e, passamos por Belo Horizonte, na noite de sexta-feira passada, na foto oficial de posse do Instituto dos Advogados de Minas Gerais.




Vemos na fotografia uma única mulher compondo a mesa, a Professora Lúcia Massara. Esta foto diz muito.

Pois ficam, para reflexão dos nossos leitores neste dia, o vídeo e a fotografia. Para dar outro tom ao cumprimento a ser distribuído à próxima mulher divisada pela frente.


* Carregar o andor: nas processões religiosas, tradicionais em Minas Gerais, a imagem dos santos é carregada em um andor, estrutura de material leve em forma de padiola transportada sobre os ombros.

quinta-feira, 5 de março de 2015

STJ reconhece possibilidade de parceiro homossexual pedir pensão alimentícia

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou a viabilidade jurídica da união estável homoafetiva e entendeu que o parceiro em dificuldade de subsistência pode pedir pensão alimentícia após o rompimento da união estável.
A posição da Turma reafirmou a jurisprudência adotada pelo STJ e pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em casos semelhantes. O entendimento unânime afastou a tese de impossibilidade jurídica do pedido adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e determinou o julgamento de uma ação cautelar de alimentos.
O recurso foi proposto pelo parceiro que alega dificuldade de subsistência, pois se recupera de hepatite crônica, doença agravada pela síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids), da qual é portador. Ele afirma que desde o fim da relação, que durou 15 anos, não consegue se sustentar de forma digna.
Após iniciar ação de reconhecimento e dissolução de união estável, ainda pendente de julgamento, o parceiro propôs ação cautelar de alimentos, que foi julgada extinta pelo TJSP em razão da “impossibilidade jurídica do pedido”.
Confronto
O tribunal paulista entendeu que a união homoafetiva deveria ser tida como sociedade de fato, ou seja, apenas uma relação negocial entre pessoas, e não como uma entidade familiar. Tal entendimento, afirmou o relator Luis Felipe Salomão, “está em confronto com a recente jurisprudência do STF e do STJ”.
O ministro destacou que o Código Civil de 2002, em seu artigo 1.694, prevê que os parentes, os cônjuges ou companheiros podem pedir uns aos outros alimentos, na qualidade de sujeitos ativos e passivos dessa obrigação recíproca, e assim “não há porque excluir o casal homossexual dessa normatização”.
De acordo com o relator, a legislação que regula a união estável deve ser interpretada “de forma expansiva e igualitária, permitindo que as uniões homoafetivas tenham o mesmo regime jurídico protetivo conferido aos casais heterossexuais”.
Evolução jurisprudencial
Salomão destacou julgamentos que marcaram a evolução da jurisprudência do STJ no reconhecimento de diversos direitos em prol da união homoafetiva, em cumprimento dos princípios de dignidade da pessoa humana, de igualdade e de repúdio à discriminação de qualquer natureza, previstos na Constituição.
Tais casos envolveram pensão por morte ao parceiro sobrevivente, inscrição em plano de assistência de saúde, partilha de bens e presunção do esforço comum, juridicidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, adoção de menores por casal homoafetivo, direito real de habitação sobre imóvel residencial e outros direitos.
Segundo Salomão, no julgamento da ADPF 132, o STF afirmou que ninguém, “absolutamente ninguém, pode ser privado de direitos, nem sofrer quaisquer restrições de ordem jurídica por motivo de sua orientação sexual”.
Com a decisão da Quarta Turma, afastada a tese da “impossibilidade jurídica do pedido”, o julgamento do processo continuará no tribunal de origem, que vai avaliar os requisitos para configuração da união estável e a necessidade do pagamento da pensão.
O número deste processo não é divulgado em razão de segredo judicial.

quarta-feira, 4 de março de 2015

O Quinto, honrado

Des. Eduardo Andrade
Imagem site TJMG, 3/3/15

Tivemos notícia ontem da aposentadoria compulsória do desembargador Eduardo Andrade. Da sessão solene ligou-nos advogado militante para comunicar o fato. Sessões das câmaras nas quais se despede um desembargador e recebe homenagem dos seus pares e das outras classes são sempre cheias de emoção e aprendizado.

terça-feira, 3 de março de 2015

De modos e bondes

Pegar o bonde andando exige alguma perícia. Para os que nasceram neste século, pegar o bonde andando é expressão d'antanho (de época passada). E significa, ainda hoje, participar de algo que já começou sem a sua presença, para o bem ou para o mal. Em termos processuais, pegar o bonde andando geralmente é para o mal. Explica-se. Lá vem andando (a passos de tartaruga) uma ação judicial e por algumas cargas d'água (motivos), entra um advogado novo para nela atuar que, pega o bonde andando.

É arriscado? Muito. As hipóteses de alternância, entrada e saída ou concomitância de advogados são múltiplas, as formas pelas quais o fenômeno se dá são duas, substabelecimento e revogação de procuração, mas não vamos falar disso.

O motivo da nota de hoje é sobre o que já está feito mas não acabado e precisa de intervenção. Experiência, é o que certamente iremos ganhar ao pegar um bonde processual andando. Até descobrir onde a engrenagem emperrou vai levar umas semanas, nada de subestimar os meandros do processo e da Administração Pública. São inimagináveis. 

E agora, da onda informatizadora e digital, que alijará de vez os advogados da velha guarda. O que é uma pena e além de tudo, inconstitucional (no nosso modestíssimo entender); o acesso à justiça está sendo negado aos próprios advogados que aprenderão obrigatoriamente o que é um i-token se quiserem distribuir uma nova ação.  E lidarão com três sistemas digitais diferentes, com diferentes requisitos e operações. Só na Justiça Comum de Minas Gerais há o Projudi (Juizados Especiais), PJe (Primeira Instância) e Themis (Segunda Instância). Há também o da Justiça Federal, que é mais humanizado e acolhedor, o cadastro digital nos Juizados Federais vale para as Varas Federais da primeira instância. No mais, ou aprendem ou o limbo.

Pois, lidando e descobrindo o que contém um processo já iniciado, estivemos sucessivas vezes junto à Administração Fazendária e ontem, fomos conversar com o escrivão de uma das nossas varas de sucessão onde corre o indigitado processo. Fomos levar a intrincada questão (não queremos cansar nossos leitores) e ponderar soluções, até por economia processual. Pensam que foi fácil chegar a ele? Nada disso. Não veio a gentilíssima servidora atender nossa senha, mas ele, o jovem apressado. O mesmo que protagonizou o bate boca no balcão há duas semanas com uma advogada que, por fim, se apresentou como procuradora federal e invocou contra o moço: eu conheço processo. E classificou o moço de debochado. Acontece nas melhores comarcas. Pois, veio o jovem servidor e supôs que só se pudesse conversar com o escrivão com o número do processo e processo na mão. Nada disso, meu jovem. Na insistência (com modos, nós o juramos), foi chamar o escrivão, que veio com a bonomia da experiência de vida e da prática do direito. Algumas décadas a mais fazem toda a diferença. Modos, fica evidente uma formação que já foi para o espaço. Isso não tem volta. E como tem feito falta nos balcões dos cartórios. 

Quem tem notícia do tempo do bonde, ainda tem modos, salvo melhor juízo.

Ode à alegria

Ainda o tema. Desde as mais recentes indicações e posses deslustrosas para o mais alto cargo do judiciário brasileiro tenho evitado qualquer...