quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

Pena de morte: velho e atual debate





“A história das penas é, sem dúvida, mais horrenda e infamante para a humanidade do que a própria história dos delitos” (Luigi Ferrajoli)

A execução do carioca Marco Archer Cardoso Moreira, 53 anos, condenado por tráfico de drogas, por fuzilamento na Indonésia, às 15h30, de sábado (17), horário de Brasília, trouxe novamente à tona o velho, mas atual, debate sobre a pena capital.

A discussão sobre a pena de morte é antiga, no entanto, foi a partir do século XVIII, no período conhecido como Iluminismo, que o debate tornou-se mais amplo e, também, mais sério. Quando falamos em pena, de morte ou qualquer outra, necessário indagar: Qual a sua verdadeira finalidade e justificativa. Vale aqui lembrar as investigações feitas por Luigi Ferrajoli em seu Direito e Razão… “Para que punir?”, “Por que punir?” e “Como punir?”.

Várias são as teorias que se desenvolveram e até hoje buscam explicar e fundamentar os fins da pena criminal. Três são as principais teorias que procuram justificar a natureza da pena: Teorias Absolutas ou Retributivas, Teorias Relativas ou Utilitaristas e as Teorias Mistas ou Ecléticas.

As teorias absolutas concebem a pena como um fim em si mesmo e buscam o fundamento da pena na justa retribuição. Retribuição justa do mal injusto causado pelo criminoso. O filósofo Kant dizia que ao mal do crime se impõe o mal da pena (retribuição moral). Já Hegel procurava dar um caráter a pena de uma retribuição jurídica, onde o crime é a negação do direito e a pena negação do crime e, portanto, restabelecimento do direito.

Para as teorias relativas também chamadas de teorias de prevenção (geral e especial), a razão de ser da pena está na necessidade de segurança social, a que ela serve como instrumento de prevenção do crime. O fim da pena é realizar funções úteis na sociedade; a pena é justa porque é necessária e útil (critério utilitarista).

Cesare de Beccaria em seu clássico livro “dos delitos e das penas” escrito em 1764 sustentava que: “o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. É concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixão, é o moderador tranquilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento de furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo sem retorno as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo”.

A diferença entre justificações absolutas ou retributivas e justificações relativas ou utilitaristas, encontra-se expressa na fórmula de um trecho de Sêneca: as justificações do primeiro tipo são quia peccatum, referem-se ao passado; aquelas dos segundo, ao contrário, são ne peccetur, dizem respeito ao futuro.

Grosso modo, podemos afirmar que as teorias unitárias ou mistas procuram fundir, no mesmo plano, a ideia do justo (retribuição) e a ideia do útil (prevenção).

Há, ainda, outras teorias que tentam fundamentar os fins da pena e outra que chegam até mesmo negar qualquer finalidade, contudo, não nos cabe neste espaço fazer uma abordagem mais profunda sobre cada uma destas teorias.

No que se refere à pergunta “como punir”, Luigi Ferrajoli, em sua já citada obra, lembrando Montesquieu, Beccaria, Romagnosi, Bentham e Carmignani, diz que a pena deve ser “necessária” e “a mínima dentre as possíveis” no que diz respeito à prevenção de novos delitos. Trata-se no dizer do jurista italiano de uma afirmação “revolucionária, ainda que aparentemente banal” e que foi recepcionada pelas primeiras cartas constitucionais como “freio as penas inutilmente excessivas”.  Assim, o art. 8º da Declaração de 1789 proclama que “A lei não deve estabelecer mais do que penas estritamente e evidentemente necessárias”.

Alguns podem afirmar, com inteira razão, que os argumentos utilitaristas não são suficientes para rechaçar a pena de morte e outras penas cruéis e desumanas já que do ponto de vista utilitário o próprio Marquês de Beccaria admitia a pena capital no caso de traição ao Estado posto que segundo ele o réu poderia continuar a influenciar pessoas com ideias subversivas mesmo estando preso.

Por tudo é que o principal argumento contra a pena de morte é o que se refere, no dizer de Ferrajoli, a falta de humanidade, é o respeito à pessoa humana e na própria máxima kantiana de que o homem, inclusive o condenado, não pode ser tratado como meio ou coisa, senão sempre como fim ou pessoa.

Certo é que independente da teoria abraçada a pena de morte apresenta-se ainda como uma das espécies de pena adotada em diversos países. Segundo os últimos dados da Anistia Internacional em 2013 houve 778 execuções no mundo, 96 a mais do que no ano anterior. Sendo que 1.925 pessoas foram condenadas à morte em 57 países em 2013. Portanto, é preciso destacar alguns pontos em relação à pena de morte: nos países que adotam a pena de morte não se verifica uma diminuição da criminalidade, principalmente da criminalidade violenta; no caso de execução a morte o erro judiciário é irreparável – e nos EUA várias execuções foram suspensas pela descoberta de erros que levaram o indivíduo ao corredor da morte. Estudo da Universidade de Michigan indica que um a cada 25 condenados à morte nos EUA é inocente. É ilusão, também, imaginar que o custo da pena de morte é menor do que o custo de se manter uma pessoa presa ainda que por um longo período. Até o condenado ser executado é gasto milhões para mantê-lo no corredor da morte aguardando julgamento de recursos até o dia da sua execução. 

Outro fato que não pode ser desconsiderado é o que diz respeito à questão racial e social  daqueles que são levados à execução. A maioria dos executados nos EUA é de negros e pobres. Nos EUA, um negro que mata um branco tem cinco vezes mais chances de ser executado do que um branco que mata um negro.

Outros fatores poderiam ser elencados contrariamente a pena de morte. Contudo, faço minhas as palavras de Dostoievski, citadas aqui por Norberto Bobbio: “Foi dito: Não matarás. E, então, se alguém matou, por que se tem de matá-lo também? Matar quem matou é um castigo incomparavelmente maior do que o próprio crime. O assassinato legal é incomparavelmente mais horrendo do que o assassinato criminoso”.

Belo Horizonte, 20 de janeiro de 2015.









Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado Criminalista, Professor de Direito Penal e Doutor em Ciências Penais



* Publicado originalmente em Justificando.com/2015/01/23 
* Publicado com autorização do autor.
* Os artigos não expressam a opinião do Blog que abre espaço ao debate democrático de ideias.

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

No meio do panetone tinha uma pedra

Uma não, três, pequenas mas três. Ei-las:



Assombração sabe para quem aparece, diz o ditado popular. Encontradas as pedras levamos o fato e as pedras ao conhecimento do gerente do estabelecimento vendedor. É o mínimo que deve fazer o consumidor esclarecido, seja para dar vazão ao legítimo sentimento do direito ferido, seja para estancar o fornecimento do produto nocivo e evitar dentes quebrados em pleno Natal, futuras indenizações, ações, essas coisas.

Não fomos bem recebidos, é fato. O gerente, algo ressabiado com a novidade do dia em plena tarde estava com problemas para aceitar o fato. - Isso não é pedra - sentenciou. - Que tal morder? - redarguimos com toda gentileza possível ao momento. Quase docemente, é preciso frisar, I swear, melhorassim o juramos.

Não mordeu mas foi mudando de ideia, é..., petrificado mas não é pedra.

O nomen iuris pouco importa, não é panetone e por sorte não quebramos os dentes. Estava o gerente deveras apreensivo com a solução da questão. Como solucionamos? - perguntou por fim. O valor do produto resolve a questão. Um tímido pedido de desculpas afirmando ainda a excelência dos produtos usados na confecção, etc., etc., ... Quase flagramos na saída a ida da prova (do defeito do produto) para a lata de lixo. Não iria diretamente ao crivo do confeiteiro? Conforme constava dos etc., etc.?

Em resumo, pedras no panetone não ensejam dano moral, configuram mero aborrecimento, salvo melhor juízo. Conforme dizem os manuais, o advogado é o primeiro juiz da causa. Caso solucionado.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

Confissões no regresso

Confessamos que está bem difícil largar desta coisa boa chamada férias, ainda é verão, e depois de tanto tempo privados delas, ainda enamorados, é relutando que enfrentamos o trânsito da capital mineira rumo às lides.

Agora que fomos alçados à categoria de cidadãos que desfrutaram de tamanha maravilha, (no ano que vem pode não haver, daí o tempo verbal escolhido). Tudo poderá voltar a ser como antes... Pois, bem, agora que atingimos, mesmo que precariamente esta categoria de civilidade, estamos assim, apaziguados, enaltecidos com esta nesga do Estado Democrático de Direito.

Da mesmo jeito que ficou o Seo Júlio Damasceno lá nos rincões de Ibiracatu/MG, Comarca de São João da Ponte,  nos primórdios da militância. Para os que estiverem com calor demais para procurar o fato neste Blog, resumimos, o lavrador, rústico, empoeirado, sucumbido ganhou alma nova depois que teve o juiz de direito em inspeção na sua lavoura de mandioca e conheceu a sua casinha na roça.

Virou cidadão depois da visita e da liminar de manutenção de posse. Trocou a roupa surrada por uma camisa social azul clara, fez a barba, desempenou a espinha e trocou a sacolinha de plástico laranja por uma modesta, mas elegante capanga, e passou a circular altivo pela comarca. O que o Direito não faz pela pessoa...

Pois, estamos assim, altivos e devidamente honrados com as curtas porém luminosas férias. Enfim, provamos depois de longo recesso do gosto dos direitos mínimos de todo trabalhador. Está difícil largar. Ah, se está!

Eis que a máquina judiciária dá sinais de vida, e começam a ligar os clientes, e-mails chegam e lá vamos nós de volta à roda-viva e de cara, aliás, de pronto, às voltas com Secretaria de Estado da Fazenda de São Paulo. Por que? Perguntamos, por que, tão burocrática se aqui em Minas basta uns cliques no site e já pula da impressora a certidão atualizada? Não sabemos, alguma razão há de ter, afinal, trata-se do primeiro estado da federação.

Não estivesse o diligente juízo mineiro intimando o inventariante sob pena de remoção... É mesmo animador, o processo mofa sem despacho nas petições reiteradas, de repente, surge uma sanha de agilização e intimida-se o inventariante, leia-se, o seu advogado, que luta com a distância, a burocracia, a boa vontade das gentes, a Administração...

Nada como uma intimação pessoal para animar a volta.

Um ótimo ano forense e civil, caríssimo leitor.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Suspensão de prazo é eufemismo de férias

Rompemos o silêncio para dizer aos bravos leitores que sim, finalmente neste ano os valorosos advogados mineiros terão suspiradas férias. Tudo por força da Portaria-conjunta nº 387/PR/1VP/CGJ/2014. Se o  nome é grande o conteúdo é melhor ainda. Já não era sem tempo. Do contrário estaríamos a essas horas sob o sol escaldante de verão lá nas dependências do Fórum Lafayette, ainda tresnoitados do Natal e Ano-Novo e seus consectários.

Para nós suspensão de prazo é eufemismo de férias. Que nome doce e necessário. É a historia da rosa, é rosa apesar de qualquer nome que se lhe dê.

Assim romperemos, eventualmente, este sagrado período de descanso (outra palavra caríssima aos combalidos advogados), para comentar a recente lei que estabeleceu na véspera de Natal a guarda compartilhada de filho como regra, e é claro, explicar as noticiadas pedras no panetone. Tardamos mas ardemos.

Sabemos de leitores saudosos espalhados por este maravilhoso e escaldante país. Vejam o que um breve período de descanso faz por advogados, tudo fica mais ameno e agradável. Mas não fiquem muito animados que levaremos muito a sério o período de férias, aliás, suspensão de prazo.

A ficha técnica da questão levantada no site do TJMG, a seguir:

Funcionamento no período de 07 a 20/01/2015

Calendário Judiciário | 07.01.2015
Veja como será o funcionamento do Tribunal de Justiça e da Justiça de Primeira Instância, no período de 07 a 20 de janeiro de 2015, de acordo com a Portaria-conjunta Nº 387/PR/1VP/CGJ/2014
PlantãoNo período de 07 a 20 de janeiro de 2015, haverá expediente na Secretaria do Tribunal de Justiça, nas secretarias de juízo e nos serviços auxiliares da direção do foro. Os prazos processuais de qualquer natureza ficam suspensos, considerando o § 8º do art. 313 da Lei Complementar nº 59/2011, com a redação que lhe emprestou a Lei Complementar nº 135/2014.
Leia os procedimentos adotados nesse período:- fica vedada a realização de audiências e de sessões de julgamento, inclusive as anteriormente designadas, bem como a publicação de notas de expediente, na justiça comum de primeiro e segundo graus, exceto aquelas consideradas urgentes ou relativas aos processos penais envolvendo réus presos, nos processos vinculados a essa prisão;- ficam mantidos os leilões e praças já designados; - os advogados poderão ter vista dos processos em cartório ou nas secretarias, bem como retirar os autos em carga e obter cópias que entenderem necessárias, hipóteses em que serão considerados intimados dos atos até então realizados;- as intimações realizadas, no processo eletrônico, dentro do prazo de suspensão, considerar-se-ão efetivadas no primeiro dia útil seguinte ao último dia da suspensão, ou seja, 21 de janeiro de 2015;- serão mantidas as disponibilizações via internet de despachos, decisões, sentenças e acórdãos, por acesso ao acompanhamento processual do site do Tribunal de Justiça;- os editais de leilão e de citação já publicados não ficam prejudicados, tampouco fica vedada a publicação de novos, somente ficando suspensos os prazos processuais no período.
A escala de plantão de desembargadores estará disponível no link Agenda. Consulte a  Agenda.
As informações sobre o plantão na capital e no interior podem ser consultadas no menu Processos > Plantão Forense.
Diário do Judiciário eletrônicoOs cartórios e secretarias somente poderão enviar notas de expediente, para publicação no Diário do Judiciário eletrônico – Dje, até os três dias úteis anteriores ao início da suspensão dos prazos, ou seja, até o dia 17 de dezembro de 2014. Poderão recomeçar o envio de notas de expediente a partir do penúltimo dia útil do prazo de que trata este ato, isto é, a partir de 19 de janeiro de 2015. (www.tjmg.jus.br)

Ode à alegria

Ainda o tema. Desde as mais recentes indicações e posses deslustrosas para o mais alto cargo do judiciário brasileiro tenho evitado qualquer...