quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

TST reduz valor de dano moral em recurso não conhecido

No TST é diferente

Breve comentário: temos uma pequena queda pelo direito processual. Vamos fazer o quê? Daí que vamos amolar nossos leitores com uma questão processual. No recurso cível equivalente ao recurso de revista, que vem a ser o nosso especial, não conhecido o recurso pelo tribunal superior, nada se fala. Faz todo o sentido. Se o veículo (recurso) que leva a pretensão tem defeito de forma, insanável, nada se aproveita. É ciao e benção. Daí a estranheza com a decisão do TST, que não conhece do recurso, mas se pronuncia sobre a matéria e modifica a decisão.  Estamos estupefatos com a inovação processual. Ainda mais estará o reclamante que viu reduzida sua indenização de 25 mil para mil reais. E o advogado do reclamante, como estará?

A notícia: mesmo nos casos em que o Recurso de Revista que pede a revisão da indenização por danos morais não é conhecido porque não preenche os requisitos de admissibilidade, o Tribunal Superior do Trabalho pode reduzir o valor da indenização se considerar a quantia abusiva. Este entendimento foi adotado pela 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao analisar recurso do Walmart contra decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (PR) que beneficiou um ex-funcionário. Os ministros reduziram a indenização a ser paga por conta das revistas feitas por meio de detector de metais de R$ 25 mil para R$ 1 mil.
O homem trabalhou para o Walmart entre 1996 e 2006, e ajuizou a ação por ser submetido à revista com detector de metais toda vez que entrava ou deixava o depósito da empresa. O TRT-9 determinou o pagamento de indenização por entender que houve abuso do poder da empresa e ofensa à honra e moral do empregado, com a atitude causando humilhação e constrangimento entre os funcionários. De acordo com os desembargadores, “a conduta patronal partia do pressuposto que todo e qualquer empregado poderia furtar, mesmo sem efetivo indício de lesão ao patrimônio da ré, em manifesta ofensa ao princípio da presunção de inocência”.
O acórdão questionado apontou que a revista a que foram submetidos os funcionários da empresa é diferente do que ocorre em bancos e aeroportos. Isso porque enquanto a feita pelo supermercado visa inibar o furto de mercadorias, as outras destinam-se à garantia da segurança pública. Informando que a revista por detector é menos abusiva do que a pessoal, o TRT-9 entendeu que ficou configurado o dano moral, já que todos os funcionários eram tratados como potenciais criminosos, fixando a indenização para o ex-empregado em R$ 25 mil.
A empresa recorreu ao TST, afirmando que a revista por detector de metais não caracteriza dano moral e informando que o procedimento era feito sem desrespeito à pessoa ou à intimidade do funcionário. De acordo com a relatora do Recurso de Revista, ministra Kátia Magalhães Arruda, não seria possível conhecer do recurso, pois as decisões apresentadas pelo Walmart eram inespecíficas, pois tratavam da questão da revista de empregados sob pontos de vista diferentes do analisado no caso.
Ao analisar o pedido de redução da indenização, baseado na violação aos artigos 5º, V, da Constituição Federal e 944 do Código Civil, a ministra afirmou que, mesmo com os paradigmas sendo inespecíficos, o valor definido pelo TRT-9 foi desproporcional e deve ser reduzido.
Ela apontou o entendimento do TST de que não há dano moral configurado pela “revista de bolsas e sacolas dos empregados, de forma impessoal e sem toques”, citando precedentes como os Embargos em Recurso de Revista 1489-73.2010.5.19.0000, 23800-40.2008.5.09.0652 e 1235-73.2010.5.19.0009. Kátia Arruda disse que “a indenização somente não foi excluída da condenação porque o recurso de revista, no particular, não preencheu os pressupostos de admissibilidade”, mas votou pela redução do valor a ser pago para R$ 1 mil, sendo acompanhada pela Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST.

Clique aqui para ler a decisão.

terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

Aposentada da Aeronáutica é condenada por injúria racial


Uma auxiliar jurídica aposentada da Aeronáutica foi condenada a quatro anos de prisão, em regime inicial semiaberto, e de 39 dias-multa, pela prática de injúria racial contra três pessoas. As ofensas ocorreram em dezembro de 2012, quando as vítimas faziam compras em galeria da Avenida Paulista. A mulher também deverá pagar indenização de R$ 28.960, por danos morais, a cada uma das vítimas. A decisão é da juíza de Direito Giovana Furtado de Oliveira, da 24ª vara Criminal da Barra Funda/SP.
A primeira vítima disse que a aposentada a chamou de "macaca, negra imunda, favelada". Outras duas pessoas, ao defendê-la, também foram ofendidas. Quando estava sendo conduzida para a delegacia, a aposentada pediu para ser levada até sua casa para tomar um remédio, trancou-se em casa e não saiu mais. A polícia não fez flagrante e o DP não registrou BO, o que foi feito somente dois dias depois. A mulher negou todas as acusações.

Em sua decisão, a magistrada salientou que "restou claramente demonstrado que a ré injuriou as três vítimas, ofendendo-lhes a dignidade, em razão da raça e da cor da pele delas, conduta que se amolda perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 140, § 3, do Código Penal".

As provas coligidas nos autos demonstram, ainda, de acordo com a juíza, "a presença da causa de aumento de pena do artigo 141, inciso III, do Código Penal, na medida em que os fatos ocorreram na presença de diversas outras pessoas, tendo a ré proferido as ofensas em alto e bom som".

"Nesse caso, a justiça foi feita. Certamente é uma vitória. Mas esse é apenas um caso entre muitos que acontecem diariamente no país", destacou Carmen Dora de Freitas, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB/SP, quem fez a denúncia ao MP.  De acordo com a presidente da comissão, existe um procedimento que foi aberto na seccional - ainda em fase de instrução e aguardando resposta de ofício - expedido para o comando da Aeronáutica, porque segundo as vítimas, a aposentada, ao ofendê-las, dizia que era "oficial" e que "eles não sabiam com quem estavam lidando". (Fonte: Migalhas, 25/2/2014)

·         Processo0002641-54.2013.8.26.0050

Confira a íntegra da decisão.


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Hope indenizará funcionária submetida à revista íntima


Seja íntima ou não, toda revista feita pelo empregador representa devassa à vida pessoal do funcionário, com violação do direito de intimidade, que garante a cada pessoa o direito de não ter o corpo tocado ou exposto sem sua autorização. Este foi o entendimento adotado pela 7ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho ao analisar Recurso de Revista da Hope do Nordeste contra decisão que a condenou a indenizar por danos morais funcionária exposta à revista íntima. Os ministros não conheceram do recurso e mantiveram decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE).
A ação foi apresentada por uma funcionária que pedia reparação por ter, ao fim de cada turno de serviço, de levantar sua blusa e abaixar a calça para mostrar a uma fiscal a marca das roupas íntimas que usava e comprovar que não havia roubado unidades da Hope. De acordo com a petição, as revistas eram vexatórias e atacavam sua honra, dignidade e intimidade, sem qualquer justificativa para que se despisse diante de terceiros para provar que não estava furtando.
A defesa da Hope apontou que não houve ofensa à dignidade ou tratamento humilhante, constrangedor ou vexatório à mulher, sendo que a possibilidade de revista estava prevista no instrumento coletivo de trabalho. A argumentação não foi acolhida pela 1ª Vara do Trabalho de Maracanaú (CE), que citou a prova testemunhal da revista sistemática e condenou a Hope a indenizar a funcionária em R$ 27 mil por danos morais.
O recurso ao TRT-7 foi rejeitado porque, segundo os desembargadores, não há como negar que as revistas íntimas ocorriam. O acórdão confirmou a existência de cláusula autorizando a revista, mas afirmou que isso valia apenas para bolsas e objetos, e não para a revista íntima. A decisão motivou recurso ao TST mas o relator do caso, ministro Claudio Brandão, disse que o quadro fático comprova a visita íntima e citando a necessidade de “preservar a dignidade e a intimidade da pessoa humana (no caso do trabalhador) em detrimento do direito de propriedade e da livre iniciativa”.
Para o ministro, a proibição à revista íntima não significa violação ao direito de propriedade, uma vez que o empregador possui outros recursos, especialmente os tecnológicos, para evitar o furto e desvio de mercadorias. Entre eles, foram destacados “sensores eletrônicos, técnicas avançadas de controle de material, enfoque no setor de recursos humanos para melhor recrutamento e seleção de empregados”, desprezados em favor da revista íntima que, concluiu, viola a vida privada do trabalhador. Seu voto foi acompanhado pelos demais integrantes da 7ª Turma. Com informações da Assessoria de Imprensa do TST. (Fonte Conjur, 23/2/14, por Gabriel Mandel).
Clique aqui para ler a decisão.


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Quando o juiz se apaixona pela decisão

Nesta semana encontramos querida colega numa entrada lateral do fórum. Fizemos uma pausa para o congraçamento. Uma das máximas deste Blog é que advogados adoram confraternizar. Divisamos outro colega e mais um veio cumprimentar. Pronto, formado alegre comício na porta do fórum. Sabem como é, mais de três mineiros reunidos é comício. Sabem todos também que mineiros adoram política. Não falamos disso, falou-se sobre ressureição, um dos colegas é versado em teologia. Vejam o nível da tertúlia forense. E depois, quando o comício ficou reduzido a duas mineiras passamos ao grave tema: o que fazer quando o juiz se apaixona pela decisão prolatada. Aqui na roça dizemos: é aí que a porca torce o rabo. Coisa difícil.

A colega queria externar sua angústia, "precisa por isso no Blog". Como vivemos repetindo ao angariar vítimas para leitores que o Blog é dos advogados, para os advogados e pelos advogados, vamos fazer o dever de casa direitinho, dando voz à colega. Aliás, é um dos significados da palavra advogar, dar voz a. Encontrada a missão, mãos à obra.

A colega narrou a audiência a as pérolas ditas pelo magistrado, visivelmente insatisfeito com a reformada de uma sua decisão pelo tribunal mineiro num agravo de instrumento, à unanimidade, diga-se de passagem. É... ponderava em voz alta, como se estivesse na solidão de seu gabinete, mudar isso só se um desembargador da turma morrer. 

Estupefatos estarão os leitores a esta altura, como ficaram as partes e advogados obrigados a ouvir as divagações do juiz. E continuou: Fulano, Beltrano e Sicrano, tão cedo não se aposentam. É...

Perguntamos nós: Por que tanto apego à decisão prolatada? Deixa o tribunal reformar em paz.
Diríamos do alto da nossa prática ao rés do chão (somos um nada, outra máxima do Blog): - Larga dela! (tempo imperativo caboclo). São como filhos, criamos para o mundo. 

Caso grave de confusão entre a pessoa e função. Acontece nas melhores comarcas. O que fazer em situações tais que? Ai, que difícil. Devemos alertar o meritíssimo, incontinenti, dos perigos da confusão em pessoa e função? Mui perigoso. Antevemos acalorado bate-boca, vias de fato, voz de prisão e "chamem a Ordem".

Devemos jogar os papéis sobre a mesa, dizer I give up (eu desisto), e deixar a sala de audiência? Cena de cinema mas não eficaz.

Precisamos de algo à altura do fato. A coisa é pior do que imaginam. Em frente ao magistrado, ex-marido e ex-mulher, idosos, questão de pensão alimentícia. Adivinhem para quem? A mulher idosa enche os olhos de lágrimas. Tem mais, mas ficamos por aqui.

Bom fim de semana.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Coisas horrorosas sobre advogados


Ontem nos disseram enfáticos após informados da nossa profissão: eu sabia! Está escrito na testa. E arriscaram mais: criminalista? Aí erraram feio. Nada disso, civilista mesmo, assumimos modestamente. Criminalistas, nós? O que teríamos dito, de tal forma que ...

Temos ouvidos epítetos injustos, coisas horrorosas sobre advogados, "bitbull", "ferrinho de dentista", e por aí vai. O pessoal crente que está elogiando. Assim já é demais. Que tal firme, apenas, assertivo, objetivo, etc.. 

Vejam só, os advogados andam cada dia mais cordiais uns com os outros.  Conversamos ontem, também, com advogada ex-adversa com a qual há muito não falávamos. Uma simpatia só, e olhe que o processo se arrasta, se arrasta, há anos. E nós em pura cordialidade.

Afinal tudo passa. Na semana passada cruzamos na chegada ao fórum com advogado, desses notáveis, famosos, mas afável. E pensar que há trocentos anos tivemos uma bela briga ao telefone. Ele tem fama de durão, brigão, essas coisas horrorosas que falam dos advogados. E agora nos encontramos fraternos, ele uma flor de pessoa, nem deve se lembrar. Nós lembramos, foi inesquecível, mas tudo passa.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

"Ser advogado não é mais uma boa escolha para os jovens"

 PROFISSÃO DO PASSADO

Pelo menos em Portugal, os jovens deveriam considerar outras opções antes de se aventurar na advocacia. São anos de estudo e dedicação para entrar em um mercado de trabalho saturado, sem espaço para mais ninguém. O conselho parte de alguém que respira a advocacia portuguesa, tendo passado seis anos dedicado a presidir a Ordem dos Advogados do país. António Marinho e Pinto é um dos mais ferrenhos desestimuladores para quem pretende cursar uma faculdade de Direito.
“Os jovens se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo”, disse, em entrevista à revista eletrônica Consultor Jurídico no final de 2013, pouco antes de deixar a presidência da entidade. Para ele, Portugal já tem advogado demais e, sem costas quentes ou uma mente brilhante, é muito difícil um recém-formado ter sucesso na advocacia.
Durante os seis anos em que esteve à frente da Ordem dos Advogados, Marinho e Pinto batalhou por uma melhora no ensino jurídico em Portugal. Ele acredita que a proliferação das faculdades particulares levou à democratização do ensino, mas derrubou a qualidade e não resolveu o problema do desemprego. “O governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego”, diz.
Ele considera que a formação universitária não prepara ninguém para atuar como advogado, juiz ou promotor. Os cursos de formação profissional oferecidos pelo Estado, para as carreiras públicas, e pela Ordem são fundamentais. É por isso que defende com unhas e dentes os exames de Ordem que existem no país — são dois: um após seis meses de estágio obrigatório e outro ao final dos dois anos de qualificação.
Em uma entrevista de uma hora, o advogado criticou o que chamou de processo de desjudicialização em Portugal, com o aumento dos tribunais arbitrais e a restrição de acesso à Justiça. Hoje, alguns casos cíveis só podem ir para o Judiciário se passarem por uma tentativa de mediação antes. Já nos tribunais superiores, há um filtro para novos recursos. Se o juízo de segunda instância confirmou a decisão de primeira, não há mais apelo ao Superior Tribunal de Justiça. O caso está encerrado. O resultado disso é uma Justiça mais rápida, mas, para o ex-presidente, menos justa. “Estamos voltando para épocas passadas onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da população.”
Ele também não poupou críticas à arbitragem, o que chamou de uma Justiça clandestina, feita longe dos olhos da população. “Eu não acredito muito em tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação, tudo, menos um tribunal.”
António Marinho e Pinto assumiu a presidência da Ordem dos Advogados de Portugal em 2008 e ficou no cargo até o final de 2013. Foram seis anos, dois mandatos. Durante esse tempo, comprou briga com o governo por conta da assistência judiciária. Acusou o Judiciário de empurrar para a advocacia os bacharéis despreparados. Bradou contra a adoção de crianças por casais gays, o que chamou de desrespeito aos pequenos. E sobrou até para o Brasil quando, em tom de ironia, afirmou que o que os brasileiros mais exportam para Portugal são prostitutas. O que ele quer fazer agora, depois de deixar a entidade? “Dormir por dois ou três meses”, diz, aos risos.
Leia a entrevista:
ConJur – Como está o ensino jurídico em Portugal?
António Marinho e Pinto –
 Mal, muito mal. O ensino de Direito se mercantilizou completamente no país. Houve uma proliferação enorme de universidades de Direito que não cuidam em preparar bem os estudantes. Essas escolas estão mais preocupadas com os lucros econômicos do que com a qualidade do ensino. Os estudantes não são tratados como alunos, mas sim como clientes. Praticamente ninguém reprova nas universidades porque, se reprovarem um aluno, vão perder um cliente, já que ele vai procurar outra faculdade que não o reprove. Isso levou a uma diminuição grande da qualificação dos licenciados em Direito, que acabam não conseguindo emprego e correm atrás da Ordem dos Advogados como a única alternativa. Mas nós aqui temos uma posição muito clara quanto à formação profissional que ministramos. Quem fez uma boa licenciatura nunca reprovará nos nossos exames. Já quem não fez nunca passará nas nossas provas, que exigem conhecimentos teóricos e científicos, sem os quais não é possível demonstrar uma boa formação para o exercício da advocacia. 
ConJur – Quantos exames hoje um bacharel em Direito precisa fazer na Ordem até ter a carteira definitiva e poder atuar como advogado?
António Marinho e Pinto –
 São dois exames. Um logo depois do estágio inicial de seis meses e um depois de mais um ano e meio, para obter a carteira profissional. Nós chegamos a criar um exame para selecionar os recém-formados para o estágio obrigatório, mas o Tribunal Constitucional disse que isso limitava a liberdade de escolha e anulou a norma do regulamento interno da Ordem
ConJur – E o que o senhor achou dessa decisão do tribunal?
António Marinho e Pinto –
 Foi errada, porque prejudica os estagiários. Como eu disse antes, se um estagiário tem uma boa licenciatura em Direito, ele fará com tranquilidade a sua formação profissional na Ordem e será inevitavelmente aprovado. Mas se não tem sólidos conhecimentos jurídicos para exercer uma profissão forense, pode fazer o estágio da Ordem por dez anos e nunca vai tirar a carteira profissional. É por isso que nós queríamos fazer a seleção antes de começar o estágio. Assim, aqueles que não estivessem bem preparados poderiam procurar outro rumo para a sua vida. No momento em que a Ordem dos Advogados entrega a carteira profissional para um advogado, está autorizando, em nome do Estado português, que ele exerça a profissão. Além disso, está dizendo para a sociedade portuguesa que pode confiar nesse advogado, que está preparado para defender seus direitos. E nós só podemos oferecer essa garantia pública quando o advogado está, de fato, preparado. A advocacia é uma profissão de interesse público que é exercida com grande liberdade, com clemência e, por isso, tem que ser exercida com grande responsabilidade, com respeito por princípios de valores de natureza épica e deontológica.
ConJur – Como é a formação profissional oferecida pela Ordem?
António Marinho e Pinto –
 Inicialmente, o bacharel faz um período de estágio de seis meses, com uma formação mais teórica em três áreas fundamentais. A primeira é deontologia profissional. Depois vem Direito Constitucional e Direitos Humanos, que são super importantes. Sem isso, tem licenciado em Direito que acaba entrando na profissão sem saber apresentar um recurso ao Tribunal Constitucional ou ajuizar uma queixa na Corte Europeia de Direitos Humanos, que, muitas vezes, constitui a última instância dos cidadãos para que seja feita Justiça. Depois, vem a área de práticas profissionais, com os aspectos práticos do processo civil e penal. Uma vez concluído esse estágio, o bacharel faz um exame e, se passar, vai para o passo seguinte, quando já pode praticar atos próprios dos advogados, mas ainda sob tutela da entidade. A segunda fase do estágio dura um ano e meio e é voltada para a prática da advocacia. Nesse período, o bacharel acompanha atos do escritório que for seu patrono. Concluída essa fase, faz a última prova, chamada de Exame de Avaliação e Agregação, e, se for aprovado, aí sim pode atuar como advogado independente.
ConJur – Qual é o índice de reprovação nesses exames?
António Marinho e Pinto –
 No primeiro exame, normalmente, temos 75% de reprovação. Esse número é alto justamente porque a Ordem foi impedida de fazer uma seleção para acesso ao estágio inicial, como o Estado português faz, por exemplo, para entrar na magistratura. Concorrem 2 mil licenciados para a magistratura e só 100 são aprovados. Outro fator que influencia no alto índice de reprovação é a redução de cinco para quatro anos do estudo de Direito nas universidades. Tem faculdade que forma um bacharel em apenas três anos.
ConJur – Essa mudança foi provocada pelo chamado Processo de Bolonha, que padronizou o ensino universitário na Europa, não é isso?
António Marinho e Pinto –
 Exatamente. E, com a postura atual do governo português, está sendo criada uma disparidade muito grande entre os advogados e os magistrados. O Estado só admite para a magistratura quem tem uma formação acadêmica de cinco anos. Quer dizer, ou fez uma licenciatura de cinco anos ou estudou apenas os quatro atuais e fez um mestrado em seguida. O mesmo Estado obriga a Ordem a receber pessoas com uma licenciatura de apenas três anos, feita em uma universidade privada sem qualquer credibilidade.
ConJur – Essa disparidade na formação entre advogados e magistrados afeta o serviço oferecido ao jurisdicionado?
António Marinho e Pinto –
 Ainda não dá para saber porque a mudança é recente. Só agora vão entrar no mercado os primeiros advogados com formação acadêmica inferior à dos magistrados. Estou preocupado com isso porque os advogados precisam ter uma formação igual ou superior aos magistrados. Um advogado, para impugnar uma decisão, tem que estar tão ou mais bem preparado que o juiz. O que o governo português tem feito é degradar intencionalmente a qualidade, o prestígio e a própria dignidade da advocacia portuguesa unicamente por questões políticas e estatísticas. Isso porque, a partir do momento em que um jovem recém-formado se inscreve na Ordem, ele deixa de figurar nas estatísticas de desemprego. Por questões meramente estatísticas, o Estado massificou o ensino do Direito e está massificando a própria advocacia, inconsciente ou indiferente à degradação que isso provoca na profissão e, consequentemente, na própria administração da Justiça. Quem perde é o Estado de Direito porque, num país em que a profissão de advogado é degradada, os prejudicados são os cidadãos.
ConJur – Quantos novos advogados são registrados na Ordem por ano?
António Marinho e Pinto –
 Não tenho os números exatos. Saem das universidades de Direito entre 3 mil e 4 mil estudantes e, desses, entre 1,5 mil e 2 mil se inscrevem para o estágio na Ordem.
ConJur – O mercado de trabalho tem capacidade para absorver todos esses profissionais?
António Marinho e Pinto –
 Não, de maneira alguma. Isso é terrível. Os jovens advogados se inscrevem na Ordem cheios de ilusão e acabam entrando num mundo absolutamente selvagem, em que não há trabalho para todo mundo. Tem muito advogado que vive às custas dos pais por anos até arrumar um emprego mal remunerado. Não há necessidades sociais para tanto advogados.
ConJur – Então ser advogado não é uma boa escolha?
António Marinho e Pinto –
 Eu tenho dito isso sempre. Ser advogado não é mais uma boa escolha. É óbvio que é diferente para o jovem que tem um familiar advogado, dono de um escritório. O mesmo vale para quem tem fortuna pessoal suficiente para ficar oito anos sem rendimentos. A maioria, que não está em nenhuma dessas duas situações, muito dificilmente vai conseguir ser advogado. A não ser que seja um gênio, um estagiário brilhante. Senão, vai passar anos como assalariado ou voluntário, sendo explorado por escritórios que pagam um salário muito inferior ao merecido.
ConJur – O senhor falou da mercantilização do ensino jurídico em Portugal. Quando começou esse processo?
António Marinho e Pinto –
 Há uns 30 anos, com a abertura de universidade privadas de Direito, voltadas sobretudo para o lucro e enriquecimento dos seus proprietários. Essas universidades começaram a concorrer com as públicas e começou a acontecer o contrário da teoria do capitalismo. Com o aumento da concorrência, a qualidade piorou. Os alunos começaram a ser tratados como clientes, não mais como estudantes. Aí veio o Processo de Bolonha, que é uma gigantesca fraude aos estudantes. Quer dizer, hoje, se lança o jovem mais cedo no mercado de trabalho, mas ele fica sem emprego porque não está preparado. O governo faz propaganda dizendo que Portugal tem cada vez mais licenciados. E tem, mas a maioria não tem emprego.
ConJur – É possível reverter esse quadro?
António Marinho e Pinto –
 A Ordem tem exigido mais qualidade e mais critérios para permitir o acesso à advocacia, mas é difícil porque, de um lado, o governo quer mais é massificar as profissões. De outro, os jovens deixam se iludir pensando que, por ter um diploma, terão acesso ao mercado de trabalho. E não é assim. Hoje ninguém recruta nenhum jovem licenciado sem antes comprovar os conhecimentos efetivos. A maioria dos jovens licenciados em Direito hoje em Portugal não está preparada para exercer uma profissão forense com as responsabilidades que a advocacia tem.
ConJur – Tem muito advogado estrangeiro registrado para atuar em Portugal?
António Marinho e Pinto –
 Não. A maior parte dos estrangeiros é formada por brasileiros por causa do acordo de reciprocidade com a Ordem dos Advogados do Brasil. Qualquer advogado brasileiro que esteja inscrito regularmente na OAB pode inscrever-se em Portugal e vice-versa. Temos muitos advogados brasileiros que se inscrevem em Portugal, mas a maioria não fica aqui. Aproveita o registro e vai advogar em outros países da União Europeia, como Espanha, Itália, França e até na Albânia já existem advogados brasileiros com inscrição em Portugal.
ConJur – Quantos advogados brasileiros hoje estão inscritos em Portugal?
António Marinho e Pinto –
 Não sei exatamente. São algumas centenas.
ConJur – Como o senhor avalia a formação de um advogado brasileiro em relação à formação dos portugueses?

António Marinho e Pinto –
 Eu acho a formação profissional do advogado português mais rigorosa. No Brasil, só muito recentemente a OAB introduziu o chamado Exame da Ordem [a prova foi criada em 1994 pela Lei 8.906/1994, chamada de Estatuto da Advocacia]. Até então, qualquer licenciado podia exercer a advocacia. Mas eu vejo que a OAB está fazendo um grande esforço para introduzir critérios rigorosos de qualidade para melhorar a formação dos advogados.
ConJur – A formação universitária não basta para exercer a advocacia?
António Marinho e Pinto –
 Não. A formatura em Direito por qualquer universidade é uma formação científica, acadêmica e não prepara ninguém para exercer a advocacia, para ser juiz ou promotor. As faculdades dão uma formação teórica jurídica básica. Quem forma juiz é o Estado, com os cursos profissionais, e não a universidade.
ConJur – A Europa toda tem passado por anos difíceis por conta da crise econômica. Em Portugal, de que maneira a crise está afetando a advocacia?
António Marinho e Pinto –
 Tenho ouvido queixas de advogados com dificuldade para receber honorários, porque seus clientes estão cheios de dívidas.
ConJur – Mas tem escritório fechando as portas por causa da crise?
António Marinho e Pinto –
 Não, muito pouco. Há apenas alguns advogados que estão em processo de solvência porque não conseguiram solver as suas dívidas. Mas hoje é mais difícil exercer a advocacia do que era há cinco anos. Há menos recursos nos tribunais porque o Estado tem incentivado uma política de desjudicialização, fazendo com que a Justiça deixe de ser feita por juízes, procuradores e advogados para ser feita por instituições privadas voltadas para o lucro, que é o que são os tribunais arbitrais, centro de mediação laboral, julgados de paz, entre outros. As custas judiciais, em alguns casos são usurárias. Tudo isso tem feito com que as pessoas evitem ir aos tribunais e contratar advogados.
ConJur – O senhor não considera positiva essa procura por arbitragem, mediação e formas de resolver conflitos sem precisar sobrecarregar os tribunais?
António Marinho e Pinto –
 Eu não acredito muito em tribunais onde os juízes são substituídos por advogados treinados e pagos pelas partes. Isso não é um tribunal! Pode ser instância de discussão, de transação, tudo, menos um tribunal. A ideia de Justiça que eu sustento é a ideia matricial das advocacias ocidentais que é da Justiça pública, como entidade soberana do Estado. A passagem da civilização e da história da humanidade se faz justamente no momento em que o Estado assume o monopólio da administração da Justiça. É óbvio que, nos processos cujo objeto é disponível, as partes podem fazer todo tipo de acordos e escolher onde querem resolver o litígio, seja em escritório de advogado, em restaurantes ou em tribunais arbitrais. Agora, quando o objeto não é disponível, só o Estado pode resolver o conflito. Em Portugal, o governo está tornando a arbitragem obrigatória, mesmo sendo muito mais cara que a Justiça pública. O que se está fazendo aqui e em muitos lugares do mundo é subverter os alicerces e os próprios paradigmas da Justiça pública soberana que figurou na Europa nos últimos milênios, desde a Grécia antiga até hoje. 
ConJur – O senhor falou que o governo português está tornando a arbitragem obrigatória. Em que áreas?
António Marinho e Pinto –
 Há em Portugal diversas leis que obrigam as partes a irem para a arbitragem. O próprio Código de Processo Civil português já instituiu a arbitragem obrigatória, mas não posso te dizer agora em quais casos. Teria que encontrar um exemplo. A arbitragem tem ainda outro aspecto negativo, quando se resolve litígios entre entidades públicas e entidades privadas. Normalmente, isso favorece a corrupção. O indivíduo compra um político, os dois inventam um litígio e vão para um tribunal arbitral com julgadores escolhidos por eles mesmo para resolver o conflito. Isso é perigoso para o Estado de Direito e para a própria sociedade democrática. Posso dizer que o Estado Português nunca ganhou uma causa nos tribunais arbitrais.
ConJur – Nunca?
António Marinho e Pinto –
 Nunca! Além do mais, a Justiça arbitral é clandestina. Ninguém pode assistir aos julgamentos e as sentenças não são divulgadas. Ela é feita às escondidas da sociedade. Ora, uma das qualidades fundamentais da Justiça é sua publicidade. Uma decisão judicial não vale apenas para as partes. Vale para toda a sociedade como elemento desestimulador de práticas ilícitas. É um ensinamento. E tudo isso desaparece na Justiça arbitral.
ConJur – O governo de Portugal vai fechar 20 tribunais de primeira instância para reduzir os gastos com a Justiça. Qual a opinião do senhor sobre isso?
António Marinho e Pinto –
 Isso é fruto dessa degradação da Justiça. O Estado quer fechar tribunais que estão abertos há mais de 100 anos! A mensagem que isso passa para a população é: façam justiça com as próprias mãos. Ou, então, andem centenas de quilômetros até outro tribunal. Tem havido um aumento da criminalidade relacionada com assuntos de Justiça. Isso é um retrocesso civil perigoso. Estamos voltando para épocas passadas onde a Justiça era quase um bem de luxo, garantida só para uma pequena parte da população. Não pode ser assim. A Justiça precisa ser garantida para todos porque é um elemento fundamental associado ao desenvolvimento harmonioso da sociedade.
ConJur – Como está a velocidade da Justiça em Portugal? O tempo de espera por julgamento é longo? António Marinho e Pinto – É, mas agora tem diminuído. O Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo, está resolvendo processos em dois ou três meses, mas isso porque tem metade do trabalho que tinha há cinco anos. Hoje, com as reformas, quase ninguém mais pode recorrer ao STJ.
ConJur – Como assim? António Marinho e Pinto – Ora, se o tribunal de segunda instância confirmar uma decisão de primeira instância, não cabe mais recurso para o STJ. Só pode recorrer ao STJ se a segunda instância reformar a decisão da primeira. E isso é uma aberração. Eu já relacionei vários casos em que a decisão de primeira instância era mantida pela segunda e, quando chegava no STJ, era modificada. Essa mudança é apenas uma manobra de propaganda e estatística para poder dizer que o tribunal está agindo mais rápido. Pudera! Não houve um aumento da produtividade, mas sim uma restrição do acesso ao tribunal. A decisão sai mais rápido porque as pessoas estão proibidas de recorrer ao STJ. Sem falar no valor das custas, que também é um impeditivo. Hoje, custa mais de 2 mil euros (mais de R$ 6,5 mil) para ajuizar um recurso no Tribunal Constitucional.
ConJur – E quem não pode pagar?António Marinho e Pinto – Se for indigente e receber menos de um salário mínimo, tem direito à Justiça gratuita. Já se for da classe média e receber 700 euros (cerca de R$ 2,3 mil), não tem direito à assistência judiciária. Como essa pessoa vai pagar as custas judiciais e os honorários do advogado?
ConJur – Em Portugal, não existe uma Defensoria Pública, não é? A assistência judiciária é feita por advogados nomeados pela Ordem e pagos pelo governo. O esquema funciona? Recentemente, o Ministério da Justiça e a advocacia entraram em atrito e o pagamento dos dativos foi suspenso. O que aconteceu?
António Marinho e Pinto –
 O Ministério da Justiça lançou uma campanha de descrédito público contra os advogados dizendo que um terço deles cometia fraudes. Uma inominável mentira! O Ministério da Justiça fez uma queixa à Procuradoria-Geral da República contra 1,5 mil advogados e, no final, o Ministério Público só acusou seis ou sete advogados. E esses ainda vão ser absolvidos pelo tribunal porque não há nenhum crime. Foi uma campanha de descrédito para poder destruir esse sistema e construir outro privado.
ConJur – Criar uma Defensoria Pública em Portugal não resolveria o problema?
António Marinho e Pinto –
 Eu sou contra. O Estado que oferece o juiz não pode oferecer também o advogado. Este tem que ser da confiança do cidadão. Tem que representar a janela que se abre da Justiça para a cidadania. É por essa janela que entra o ar para a sociedade. Um advogado por definição não pode ter patrões, não pode estar inserido em uma hierarquia e ter horário de trabalho. O único compromisso do advogado tem que ser com o cidadão. A advocacia não pode ser funcionalizada. 
ConJur – Então qual que seria o modelo ideal de assistência judiciária?
António Marinho e Pinto –
 O modelo que temos defendido é aquele em que o próprio cidadão escolhe o advogado da sua confiança entre aqueles inscritos para prestar apoio judiciário. O ideal depende de uma maior remuneração dos profissionais. O Estado deveria transferir para a Ordem a verba destinada ao pagamento desses advogados, para que a entidade pudesse pagar os defensores. Hoje, o governo demora meses e até anos para pagar um advogado que presta assistência judiciária. O Estado não valoriza a Justiça, sobretudo aquela que é prestada aos pobres como elemento essencial do próprio Estado de Direito. (Fonte: Conjur 16/2/14).


Cocada provoca intoxicação e supermercado é condenado


Pelos dados da embalagem, cocada estava dentro do prazo de validade.

O supermercado Bretas, nome fantasia da Cencosud Brasil Comercial Ltda., foi condenado pela 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a indenizar uma criança em R$ 10 mil. O menino, representado no processo pela mãe, consumiu um produto com bolor adquirido no local e teve intoxicação alimentar.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

A entrega do formal

Depois de três anos recebemos hoje no cartório de uma das varas de sucessões de Belo Horizonte o almejado formal de partilha. Pensarão os leigos que nunca viram um, que deve ser algo solene, a entrega feita pessoalmente pelo juiz,  a capa com arabescos e montes de carimbos oficiais. Nada disso, cópias xerox, última página original. Não queremos tudo simples e moderno? 

Demora-se tanto a chegar nesta fase que quando dizemos à atendente, viemos buscar um formal, abre-se-lhe um sorriso, ah, que bom, o processo chegou a termo, cumprimos nosso papel, etc, etc.. Do lado de cá do balcão apertado, estamos mansos, tranquilos, e devolvemos o sorriso, também nós cumprimos nossa missão. Ao lado os colegas às voltas com os passos anteriores do processo suspiram e pensam: havemos de chegar lá. Sem solenidades depois de três anos, nenhum sino, sem discurso. Advogados, no fundo, são chegados a uma formalidade, embora esbravejem contra todas elas em cada esquina do fórum. 

Sabemos de um escritório aqui na capital dos mineiros (lemos numa revista fashion), que toca uma sirene toda vez que vence uma demanda. O pessoal minimalista da redação acha a medida meio jeca, importada dos americanos, metas de vendas, essas coisas. Mas deve servir para animar o pessoal que labuta, alguma coisa como o reflexo de Pavlov, lembram-se, o cachorro, a buzina, a salivação, não necessariamente nesta ordem.

Celebrar é preciso. Vamos imaginar algo para marcar este momento auspicioso. Que seja uma forma brasileira, moderna, simples, mas que traduza o indizível sentimento de "mais um, conseguimos",  enfrentamos novamente a máquina burocrática e extraímos dela, depois de três anos, este título em papel xerox.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

STJ admite aplicação da Lei Maria da Penha em Ação Cível

MEDIDAS PROTETIVAS

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça admitiu a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) em ação cível, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor.
A ação protetiva dos direitos da mulher foi requerida por uma mãe contra um de seus seis filhos. Segundo os autos após doações de bens feitas em 2008 por ela e o marido aos filhos, um deles passou a tratar os pais de forma violenta, com xingamentos, ofensas e até ameaças de morte; o marido faleceu.
O pedido da ação era de aplicação de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha. A autora requereu que seu filho fosse impedido de se aproximar dela e dos irmãos no limite mínimo de cem metros de distância, e de manter contato com eles por qualquer meio de comunicação até a audiência; requereu ainda a suspensão da posse ou restrição de porte de armas.
Em primeira instância, o processo foi extinto sem julgamento de mérito. O juiz considerou que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha têm natureza processual penal e são vinculadas a um processo criminal e não havia ação penal no caso. O Tribunal de Justiça de Goiás reformou a sentença e aplicou as medidas protetivas, por entender que elas têm caráter civil. O filho apontado como agressor recorreu ao STJ contra essa decisão.
Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, a Lei Maria da Penha permite a incidência do artigo 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil (CPC) para concretização das medidas nela previstas. Ele entendeu que, de forma recíproca e observados os requisitos específicos, é possível a aplicação da Lei 11.340 no âmbito do processo civil.
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994).
(...)§ 5o Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial. (Redação dada pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002).
Seguindo o voto do relator, a Turma decidiu, por unanimidade de votos, que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha, observados os requisitos para concessão de cada uma, podem ser pedidas de forma autônoma para fins de cessação ou de acautelamento de violência doméstica contra a mulher, independentemente da existência, presente ou potencial, de processo-crime ou ação principal contra o suposto agressor. Nessa hipótese, as medidas de urgência terão natureza de cautelar cível satisfativa. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
Comentário: O STJ só pode pronunciar-se após um advogado levar a tese ao judiciário. Louva-se o arejamento da decisão, mas nada é dito sobre o provocador. Aqui neste espaço chamamos a atenção para o papel fundamental do advogado na proposição de teses que alcancem efetivamente a finalidade do processo, a proteção de um direito, de um bem jurídico, ainda que, em aparentemente desacordo com as normas processuais.
Os informativos jurídicos frisam o ineditismo da decisão, mas nada disseram do ineditismo da tese lançada pelo advogado, cujo nome desconhecemos até o momento.
As razões do voto do ministro Luiz Felipe Salomão são repetidas na imprensa especializada, o ministro colhe os louros, mas sobre as razões da petição inicial, onde tudo começou, nenhuma linha.
O entendimento do ministro:
“A agregação de caráter cível às medidas protetivas à mulher previstas na Lei Maria da Penha amplia consideravelmente a proteção das vítimas de violência doméstica, uma vez que essas medidas assumem eficácia preventiva”.
“Parece claro que o intento de prevenção da violência doméstica contra a mulher pode ser perseguido com medidas judiciais de natureza não criminal, mesmo porque a resposta penal estatal só é desencadeada depois que, concretamente, o ilícito penal é cometido, muitas vezes com consequências irreversíveis, como no caso de homicídio ou de lesões corporais graves ou gravíssimas”.
“Franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha, pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações intrafamiliares”.
Comentário 2: Vejam a paciência e persistência que deve ter o advogado. Neste caso o processo foi extinto sem julgamento de mérito pelo juiz de primeiro grau. Só em grau de apelação o Tribunal de Justiça de Goiás reformou a decisão para aplicar as medidas protetivas. A decisão do STJ só aconteceu por recurso do filho, negado, confirmando assim, com argumento de autoridade (ministro), a decisão do TJ de Goiás. 

Comentário 3Na liberalidade da decisão (franquear a via das ações de natureza cível, com aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha), está clara a busca da efetividade do processo (pode evitar um mal maior, sem necessidade de posterior intervenção penal nas relações intrafamiliares). Trocando em miúdos: é preciso resolver a questão, fornecer proteção efetiva à pessoa, sem que a natureza das normas (civil, penal, processual) seja um empecilho à consecução deste fim. Uma interpretação integrativa resolve tudo. Ótimo, estamos todos satisfeitos, mas que seja dado o crédito ao advogado.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Pedras cantadas

Bastou passar os olhos pela primeira página do jornal que chega todas as manhãs para confirmar as previsões da pitonisa de plantão neste Blog. Pelo acerto duplo o oráculo ganhará rodada extra de pão de queijo no café da tarde neste 12 de fevereiro, data especialíssima para a redação por motivos internos.

Aqui, por sestro de profissão, alegamos e provamos.


Diz o EM de hoje: "MAIS MÉDICOS - Outros 25 cubanos abandonam o programa".

Em 23/8/13 dissemos: "Se vierem mesmo os cubamos apostamos em pedidos de asilo político em massa." Quem tiver a pachorra de conferir, veja DE BECA E TOGA: Dia de mau humor cívico.

Ao lado desta notícia, havia "Rusgas no Supremo - Lewandowski e Barbosa têm novo confronto". A bola da vez é a revogação por Barbosa de liminar concedida por Lewandowsky sobre IPTU. 

Em 11/10/12 dissemos: "Nosso vaticínio sobre a dupla formada pela eleição: viverão às turras, como nas sessões de julgamento." Em Mensalão: O parlamentar comprado trai o povo inteiro (Ayres Britto).

A turma discordou da benesse exagerada, afinal, era de se esperar tanto uma coisa quanto outra, daí que foi revogada a rodada extra de pão de queijo.

C' ést tout, aujourd'hui, que estamos em dia de comemorações internas.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Carisma e poder

Para quem não é de Belo Horizonte vale a pena contar o que sucedeu aqui no que se refere a manifestações populares. Há entre nós um frei carmelita, holandês de nascimento, mais brasileiro e mineiro que muitos de nós. 

Nascido no norte da Holanda em 1933,  é o sexto de uma família de 11 filhos. Conheceu a guerra na infância, saiu da casa dos pais aos 14 anos e ganhou mundo. Chegou ao Brasil aos 17 anos, foi ordenado em 1959 em São Paulo, adotando o nome religioso de frei Cláudio. Na década de 60 foi estudar teologia em Roma, cursou pós graduação e doutorado em teologia dogmática, respirou os ares do Concílio vaticano II e graduou-se em psicologia clínica.  Em 1967 veio para Belo Horizonte, onde desde então dedica-se a intensa obra social na Paróquia do Carmo. Criou serviços médicos e de psicologia para os pobres no ambulatório da Igreja, além de biblioteca. Promove mutirões de construção de casas nas favelas, hoje batizadas de comunidade e põe a mão na massa. Enfrentou o regime militar com a mesma coragem que demonstra ao duvidar de dogmas medievais, ao questionar o papel do clero e os desmandos da Igreja ao longo da história. É um sopro de renovação e liberdade. É um espírito livre, dotado de grande carisma que arrasta multidões às missas de domingo. 

Iconoclasta assim, é claro que despertou e desperta incômodo às alas conservadoras. Não é de hoje que tentam afastá-lo do púlpito. Tentaram em 2010, a comunidade paroquial reagiu. Tentaram novamente agora, cancelando a missa das 11 horas e retirando dele a sala onde atendia as pessoas e trabalhava. Veio a reação popular e a visibilidade dada ao episódio pela imprensa escrita e televisada é de ser notada. 

As cenas da igreja fechada com corrente e cadeado e uma multidão cantando e protestando contra a suspensão do frei circulam na imprensa e na internet.

A suspensão durou pouco, voltou pela força do clamor popular, aos 81 anos, com humor e humildade voltou aos braços do povo. Duas mil pessoas foram aclamá-lo no último domingo, 9/2. Ave, frei Cláudio!








Eis a verve do frei, que fala "uai" e "sô" (mineirês), colhida in loco, o repórter que faz a entrevista tem só o som, nós, o som e a imagem: "Eu  não saí, não".



Imagens exclusivas do Blog

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Educação em casa e planejamento familiar

Artigo

Fabrício Veiga Costa 
Doutor em direito, advogado especialista em direito de família e membro do Instituto dos Advogados de Minas Gerais (IAMG)




O fenômeno contemporâneo do homeschooling consiste na iniciativa de os pais oferecerem aos seus filhos educação intelectual e ensino técnico diretamente em sua residência. Muito sedimentada em países como os Estados Unidos, tal prática visa conferir autonomia aos pais com relação ao Estado quando se trata da educação (formação técnico-científica) de seus filhos. No Brasil, tal fenômeno tem crescido substancialmente, fato esse que ensejou a apresentação do Projeto de lei 3.179/12, de autoria do senador Lincoln Portela. Tal projeto de lei visa inserir o §3º no artigo 23 da Lei 9.394/96 (Lei de Diretrizes e Base), facultando aos pais a educação básica domiciliar, desde que obedecidas as diretrizes gerais instituídas por legislação federal.

A problemática que gira em torno desse tema é a seguinte: o homeschooling é uma prática pedagógica condizente com o Estatuto da Criança e do Adolescente?. Há violação de direitos fundamentais da criança que se submete è educação domiciliar imposta pelos pais? Os pais podem escolher se seus filhos têm ou não o direito de ir à escola? Inicialmente, é importante esclarecer que esse texto científico visa discutir tal prática no âmbito dos direitos das crianças, ou seja, filhos de até 12 anos incompletos.


A educação é um direito fundamental, de natureza personalíssima, indisponível e irrenunciável. Partindo-se dessa premissa, pode-se afirmar inicialmente que os genitores de crianças não detêm legitimidade para renunciar a direitos cuja titularidade pertence aos seus filhos. Ressalta-se, ainda, que a interpretação dos direitos fundamentais, no âmbito da constitucionalidade democrática, deve ocorrer de forma extensiva e sistemática. Nesse ínterim, sabe-se que o direito fundamental à educação não pode ser limitado ao direito de a criança receber tecnicamente o conhecimento científico reproduzido pelos livros. O ato de ir à escola vai muito além da simples transferência de conhecimento no contexto proposto pela educação bancária. Ir à escola é a oportunidade que a criança tem de receber e construir conhecimento científico, valores morais, éticos e desenvolver o senso de socialidade e solidariedade.

A escola é o recinto onde a criança aprende a conviver com a diversidade; constrói valores morais e éticos; aprende a ser solidária; descobre que vivemos e convivemos numa sociedade plural; descobre a importância de respeitar o próximo. O papel da escola vai muito além do ato de construir e reproduzir conhecimentos científicos sistematicamente preexistentes. É na escola que encontramos a oportunidade de formar cidadãos no mais amplo sentido da palavra, algo que vem a ser limitado no momento em que se pretende institucionalizar o homeschooling.

Considerando-se que o ato de ir à escola é corolário do direito fundamental à educação, cuja titularidade pertence à criança, deduz-se, numa perspectiva lógica, que os pais não detêm legitimidade jurídica no que tange à privação do direito de seus filhos frequentarem a escola. Admitir o homeschooling como uma prática juridicamente aceita no Brasil é o mesmo que legitimar a autonomia dos pais no que tange à violação do direito fundamental à educação de seus filhos.

A Constituição Brasileira de 1988 estabelece o direito de planejamento familiar, cuja autonomia conferida pelo legislador constituinte aos pais esbarra certamente na proteção dos direitos fundamentais de seus filhos. Tal argumentação se torna juridicamente relevante porque muitos genitores buscam justificar a prática da educação domiciliar na legitimidade do exercício do planejamento familiar.

O direito ao planejamento familiar conferido aos pais deve ser pensado e interpretado no contexto da sistematicidade dos direitos fundamentais de natureza personalíssima pertencente aos seus filhos. Ou seja, o planejamento familiar passa a ser exercido ilegitimamente pelos pais no momento em que suas condutas e práticas acarretam a violação de direitos indisponíveis de seus filhos.

Muitos pais que optam pela educação de seus filhos em casa procuram justificar suas escolhas em motivações de ordem moral, religiosa e, principalmente, no desejo de proteger seus filhos de constantes atos de violência (física, moral e psicológica) que frequentemente ocorrem no âmbito escolar. Aparentemente, estamos diante de nobres motivações que escondem o desejo de os pais criarem seus filhos em verdadeiras redomas, para que os mesmos não venham a conviver com o pluralismo e a diversidade de ideias e valores que permeiam a sociedade contemporânea e globalizada.

Dessa forma, verifica-se que o homeschooling certamente é uma tentativa de segmentar e elitizar a reprodução do conhecimento técnico-científico, de modo a retirar das crianças a oportunidade de exercer autonomamente o direito de construir seus próprios valores éticos e morais, muitas vezes distintos daqueles perpetrados pelos seus genitores, ressaltando-se que o início de toda essa construção ocorre no ambiente escolar.

O ato de ir à escola não se limita ao ato de transferir conhecimentos de forma mecanicamente estabelecida nos livros, uma vez que tem um papel direto na formação e na construção de uma sociedade mais tolerante, solidária, ética e moralmente consciente de que o respeito aos direitos fundamentais é a forma mais legítima para viabilizar o exercício da cidadania no Estado democrático de direito. (Publicado no Estado de Minas, Caderno Direito e Justiça, 07/02/2014).

Persistência contra jurisprudência majoritária

E nquanto a nossa mais alta corte de justiça, digo, um dos seus integrantes, é tema no Congresso americano lida-se por aqui com as esferas h...